sábado, 19 de abril de 2014

    «Ele, o Captain, olha para ela a cada instante; ela não, já não olha para ninguém. Ele, na realidade, não a larga dos olhos, nunca. Ama-a ainda com todo o seu vigor sexual. Ela não. Ela já está noutras paragens, um pouco na morte, um pouco no riso também, e sabe Deus em que outros sítios. Assim, já nem tem força para escolher por si um homem. Mas todas as noites ela o consente em si.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 101

vómito-negro

   « - Olá, mais linda.
      -Vá bardamerda.
      -Estava a pensar em ti.
      -Largue-me mas é da mão, já lhe disse que sou uma senhora casada.
      Há meses que isto é assim. Vez por outra, quando o corpo lhe amorna em solidões, Elias marca o número-mistério e entra em linha.
     -Olha, vi-te ontem.
     -Eu também, tem piada.
     -Ias com o teu namorado.
     -Ai que mentira. Qual deles?
     -Aquele que te pregou o esquentamento.
     -Ordinário.
     Som de desligar. Elias, sempre de boca descaída, repete a marcação do número.
     -Isso faz-se? Desligar ao querido?
     -Já lhe disse que sou uma senhora casada.
     -Então estás lavadinha por baixo.
     -Ai toda, meu querido. Estou todinha. E tu? Sabes uma coisa, hoje não estou nada-nada para chatices.
    -Nem eu. Estou doentinho. (Elias mira uma unha gigante.)
    -Com quê, meu querido? Foram-te ao rabo?
    -Mais ou menos.
    -Logo vi, mas, sabes, com chantilly, filho, com chantilly.
    -Costumas pôr chantilly, é?
    -Sempre, filho. Com muitas natas. Olha vou desligar que o meu marido já chegou.
     -Chama-o lá.
     -O quê?
     -Chama-o lá, o teu marido.
     -O quê?
     -Pergunta-lhe se o gajo quer uma ajuda.
     -Ai, quer, querido, vem depressa. Sabes como é que eu estou? Olha, estou em cima da cama, que é assim no estilo de queen anne, mas, tu sabes, amor, tu já cá estiveste, não te lembras?
     -Daquela vez em que te comi de gatas, atão não me lembro.
     -Pois olha eu cá não.
      -Lembras, pois.
     -Comida de gatas? Adoro. Deves ter sido muito desajeitadinho para eu não me lembrar.
     -Até estavas com um robe castanho transparente.
     -Robe castanho deve ser confusão. A menina é muito prò moreno, o castanho não lhe cai bem. Não faz mal, foi como tu dizes.
     -Tinhas umas ligas com argolas que davam cá um tilintar que nem queiras saber.
     -Ah, foi de ligas?
     - E agora como é que tu estás?
     -Perdão?
     -Agora como é que tu estás, minha puta.
     -Ah, agora a puta está com o Sheik nas perninhas, o Sheik é o meu bassé.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 148-150

The Letter

galdéria mal amanhada

Aquellos ojos negros...

desencabrestada

   «Entram dois loucos mansos do hospital Miguel Bombarda, ali ao pé. Reconhecem-se pelas cabeças rapadas, pela palidez escaveirada e pela roupa de internados; as calças estão-lhe sempre curtas, mal chegam às canelas, e usam cordéis a fazerem de cinto. Os loucos mansos dão uma volta pelas mesas acenando com os dois dedos à frente da boca. Pedem cigarros.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 146

E ria, o velhaco.

       «Este velho da estátua era um dos seus fantasmas de menino, achava-o igual a um bruxo desdentado que havia em Elvas, um que chamavam o Esplérido e que tinha o corpo por dentro todo a bulir em lagartas. Não são lagartas, é sebo, sossegava-o o pai. Mas o Esplérido quando a garotada o espreitava à distância e de cara franzida, espremia as asas do nariz com duas unhas e começava a deitar pelos poros fios brancos como vermes retorcidos. E ria, o velhaco. Tinha o mesmo riso carcomido do velho de bronze.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 144
«Pecador que me ignoras em breve te juntarás a mim e então é que eu me hei-de rir, Pax Tecum


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 143

charuto Romeu-e-Julieta

sexta-feira, 18 de abril de 2014

artifícios da raposa

CORO DOS VELHOS

   Obrigado pelo obséquio. Roeu-me de tal forma o olho que me deixou nele um poço. Não posso deixar de verter torrentes de lágrimas.


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 95
CORO DOS VELHOS

   Não há nada mais teimoso do que as mulheres. Nem o lume nem as panteras são mais indomáveis do que elas.

Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 116

aguagem

CINÉSIAS

    Até me parece mais nova e mais bonita. Mas a dureza e a indiferença dela matam-me o desejo que sinto.


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 95
CINÉSIAS

   É preciso andar depressa! A minha vida tem sido uma tristeza desde que Mírrina saiu de casa. Cada vez que lá entro, dá-me para chorar. Tudo parece vazio, foi-se-me a vontade de comer. Só que tenho é tesão!

Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 93
LISÍSTRATA

  A ti cabe atear lume ao desejo, virá-lo e revirá-lo, atiçá-lo, oferecer-te e recusar-te, dando-lhe tudo excepto o vaso das flores.


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 90
“Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo o que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e disfrutaria de um bom gelado de chocolate. Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida vestiria simplesmente, jorgar-me-ia de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como também a minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saisse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Mário Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo das suas pétalas. Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida!… Não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas: amo-te, amo-te. Convenceria cada mulher e cada homem de que são os meus favoritos e viveria apaixonado pelo amor. Aos homens, provar-lhes-ia como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança, daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha. Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas aprendi com vocês, os homens… Aprendi que todos querem viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a rampa. Aprendi que quando um recém-nascido aperta, com sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo do pai, tem-no prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se. São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, a mim não poderão servir muito, porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer.”

quinta-feira, 17 de abril de 2014


“Nos primeiros doze anos da minha vida, fui continuamente sujeito a quase todo o tipo de torturas 
físicas e psicológicas que se possam imaginar. Devia ter morrido. Depois de ter sido salvo da minha 
mãe alcoólica e de ter tido a felicidade de ser entregue aos cuidados de outros, houve quem 
afirmasse com presunção que, dada a minha situação extrema, acabaria morto ou na prisão – as 
desvantagens com quem lutava eram inultrapassáveis. Nunca vi as coisas assim. Se alguma coisa 
aprendi com a minha infância desgraçada, foi que não há nada que possa dominar ou vencer o 
espírito humano.” 


Pelzer (2003, pag. 13) 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Pranto Perpétuo

«Não é por ser mulher que não sou digna de apresentar propostas mais sensatas do que as dos homens que nos governam. Além do mais, pago a minha dízima, pago-a sempre que dou filhos à luz.»


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 70


«tratei sempre a espada oculta num ramalhete de mirto.»

Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 70

lobo esfomeado

Lisímaco

nome próprio: significa etimologicamente «aquele que põe fim à guerra.»


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 64
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* As ortigas tomadas como símbolo do ardor sexual, pois tinham fama de afrodisíacas.


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 64

CORO DAS VELHAS

  Aqui me tens, anda cá bater-me! Mas podes ter a certeza de que nenhuma puta te tornará a fazer festas nos colhões!


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 47

boamente

coribantes


MITOLOGIA sacerdotes da deusa Cíbele que cantavam e bailavam desordenadamente durante a celebração dos seus mistérios.

(Do grego korýbantes, plural de korýbas, -antos, «sacerdote de Cíbele», pelo latim corybantes, «idem»)

«Nenhum homem aprecia o prazer se a mulher não o sentir também.»


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 30
LISÍSTRATA

  Teríamos de nos limitar, como diz Ferécrates, a esfolar o perro esfolado*.

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* Mais uma alusão obscena, desta vez ao prazer solitário, único recurso das mulheres sem homem.

Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 30

LISÍSTRATA

Tu, sim, tu sabes ser mulher.


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 29

vituperāre

CLEONICE

E que bem mondada!. Nem um fiozinho de erva se lhe vê!


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 22
LISÍSTRATA

«(...) ...Irrita-me ver a maneira como as mulheres se comportam. Os homens têm boas razões para pensarem o pior de nós.»


Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 12
Afrodite Genitilis - a deusa que presidia à fecundação.

humor obsceno e despudorado

 « - Ele não quer que ela morra, ele proíbe-a de morrer, de certo modo, pelo facto de não querer a morte dela na vida dele, isso não, nunca.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 105
«Fica muito tempo com os olhos baixos, depois, subitamente, olha-a demoradamente como faríamos perante uma paisagem perturbadora e inalcançável, a do mar ou do vazio do céu.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 99

«Tão sós estavam no mundo, que já nada sabiam da solidão.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 95

terça-feira, 15 de abril de 2014




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