terça-feira, 1 de abril de 2014

Infância, heterónimo de Mrs. Davies


«Mrs. Davies, vinda da Cidade do Cabo, desembarca em Lisboa a 29 de novembro de 1935, véspera da morte de Fernando Pessoa. Tinha-o conhecido em Durban, numa escola inglesa, ambos pequenos, ele com nove ou dez anos, ela com cinco ou seis, e vinha enfim procurá-lo conforme prometera um dia, quando os pais a levaram da cidade para uma quinta no interior do Transvaal. Pessoa foi-lhe sempre fiel. Nunca mais a esqueceu embora julgasse que sim e cantou-a sem desfalecimento sob o nome de Infância mesmo quando pensava falar doutra coisa. Infância, heterónimo de Mrs.Davies. Iria jurar que o belo título «Prayer of Woman's Body» lho inspirou também ela subconscientemente. Prece por um corpo de criança transformado em mulher, a irreparável metamorfose que o desgostava por duas razões independentes: a) a imagem do paraíso perdido de facto perdida, b) trocada por uma feminilidade que dizia pouco à sua misogenia.»




Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 441

«(...), loira, desse loiro de cobre ao lume donde saltam cintilações ruivas.»


Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 441

«O podre e o fermento. O perigo destas imagens está no exagero.»


Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 436
«A evidência da tara arrasta despoticamente as personagens em linha recta, sem desvios, nuances ou hesitações. Gera-se um frio mecanismo entre causa e efeito, tão inexorável que não há lugar para atritos, recuos, complexidades. A análise psicológica aproxima-se assim, de modo assustador, dum logicismo previsível que não comporta qualquer surpresa ou inesperada descoberta de riqueza humana. Chega-se a esta situação paradoxal; o patológico que, à primeira vista, devia ser o anormal e o incontrolável processa-se afinal dentro da mais primária, preconcebida, das normalidades.»


Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 434
«O objectivo primacial da «Patologia» cifrava-se na demonstração deste postulado: os tipos psíquicos patológicos são resultado dum desequilíbrio entre os três elementos que estão na base de toda a actividade psicológica: o sentimento, o pensamento e a vontade. O predomínio de qualquer deles provocaria as torções de carácter, os desvios de conduta. Não se trata agora da concepção, mas de apontar apenas, dando ainda de barato que fosse verdadeira, como a visão do romancista é dentro dela demasiado linear.»


Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 434

Anoitecer,

«hora de os morcegos ensaiarem os voozinhos de cetim»,


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 141

«Quando as chamas sobem de mais os anjos dão a mão ao diabo.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 141

«Também, do mal o menos, entrou mudo e saiu calado.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 140
«Cansados de dar à sola mas de pulmões lavadinhos, benza-os Deus, porque isto de dormir com as cabras e de namorar as gaivotas dá desgostos mas faz peito, a paciência do artista tem destas naturezas.»

José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 140

Quando o cadáver cheira a política até as moscas largam a asa

«Tendo em vistas o advogado dos brilhos, salienta que o homo politicus é um animal lixado de trabalhar porque tem padrinhos no céu e afilhados no inferno, para não falarmos no purgatório que é onde se junta a maralha dos conspiradores em part-time. Por estas e por outras é que: Quando o cadáver cheira a política até as moscas largam a asa, como se costuma dizer, e muito bem, aqui o nosso chefe Santana.»



José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 138

«Ele-Estava-A-Viver-Plenamente-No-Auge-Da-Paixão.»

Felicidade dramática


Segunda sessão de brandies

dedo sim dedo não

«(...) tufos de pêlos irrompem-lhe das axilas. Debruçado nas costas da cadeira o polícia estuda-a com olhos de míope.
   Mena. Os braços erguidos alteiam-lhe os seios que parecem soltos e estão mesmo (sem soutien, pela maneira de descair do pull-over) e os pêlos do sovaco são dum negro seco e agreste, tão negro como é decerto todo o cabelo que ela tem no mais privado do corpo e com um gosto acidulado, retenso. O chefe de brigada tira um limpa-unhas do bolso num movimento paciente.
   Silêncio. O silêncio do preso é a insónia do polícia, aguardemos.»





José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 128

prepara-se para grandes vagares

Abril

«Vizinha da morte estava ela, vizinha como nunca; uma mulher paredes meias com a morte e com o sangue. Mas durante este tempo, todos os dias uma criada lhe fazia chegar ao quarto três das mais belas rosas desse Abril.»

José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 128

nonsense

ante-rosto




   «O meu exemplar (primeira edição, hoje rara) descobri-o em Coimbra, por acaso, durante o despejo dum armazém de alfarrabista pobre. Não está mal conservado apesar no segundo terço do livro e um túnel de traça, ainda incipiente, que eu próprio limpei e desinfectei, assim como meti cola nova na lombada, esta sem dúvida em mau estado: a tela interior no fio, o papel de fora a esfarelar-se.»



Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 425
«(...) mandem gravar na campa do poeta o epitáfio que ele próprio escreveu:

                       A dádiva suprema é dar a vida
                Ao silêncio de pedra que é a morte.
                      Larga-me da vida, morte,
                      Faz-me da morte pedra.



Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 421

Escrever é lavrar

«O suor de sol a sol: «enxada à terra, ó braços da pobreza»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 421

Anúncio Olá Magnum (aqueles gelados saborosos...): O prazer é para quem o procura


raspa-língua e ruiva-brava

«Choupos, ínsuas à flor do rio quase extinto, a tarde a arder como um pouco de álcool, e mais conversa.»

Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 419/420

« - Sabes, um suicídio a dois só com o acordo de ambos e tu não me perguntaste nada, pois não?»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 416

isqueiro

divórcio emocional

(...) das costelas coração.


nenhuma companheira é possível e as solidões somadas pesam mais que uma só

    «De Álvaro de Campos: «ó companheira que eu não tenho nem quero ter». Olho para Gelnaa e não compreendo: tenho-a e quero tê-la. Mas ao mesmo tempo compreendo: não a devia ter a ela; ou não vale a pena tê-la; ou então dói-me a sua fragilidade, sombra dum arquétipo, eterno neste momento. Logo depois volto a não compreender: meu amor mortal, de carne e osso, tenho-te para sempre, agora. Coisas que se equivalem, na gramática relativa da vida. Não nos deram outra, Gelnaa. E mal acabo de pensar isto compreendo de novo: nenhuma companheira é possível e as solidões somadas pesam mais que uma só. Etc.»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 415

segunda-feira, 31 de março de 2014

''A escola dos filhos é a casa dos pais''

(...)

«Assim se movem
as nuvens comovidas
no anoitecer
dos grandes textos clássicos.»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 401

domingo, 30 de março de 2014


Enredos

"bebo este líquido escorregadio como uma agonia, é carinhoso o meu amigo, mas nada há mais terrível que a sua carícia interrompida pela eficiência do mundo, ou que o sermos amados pelas regras do mundo, gosto da luz absoluta do equívoco onde consigo imaginar as faces mais vulgares, nada posso senão perder-me nas minhas histórias já que ninguém entra no meu quarto, o resto é colocar na boca de sombras o que gostaria de ouvir"
"Enredos"
Rui Nunes

cabinets de lecture

«Contornava-me, cingia-me com um braço e procurava-me as coxas e as nádegas por baixo da roupa. Eu própria levantei o vestido, colando-me mais a ele, e imagina a surpresa que o tomou quando sentiu nos dedos a verdade do meu ventre!»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 122

«E de súbito calou-se e pôs os olhos nos meus com uma dureza terrível. Suportei-os.


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 122

''linguagem de bordel''

lábios entreabertos em êxtase

cunilíngua

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