Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 78
domingo, 24 de março de 2013
«Digo-vos, simplórios, vencidos da vida, escorraçados, espoliados, transpirados de sempre, previno-vos: quando os grandes deste mundo resolverem amar-vos é porque vão transformar-vos em carne para canhão.»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 75/6
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Viagem ao fim da noite
O roubo do pobre
«O roubo do pobre faz-se uma maliciosa recuperação do poder individual, está a compreender...Aonde iríamos parar? Por isso, repare bem, a repressão dos delitos insignificantes é exercida em todos os climas e com rigor extremo, não só como meio de defesa social, mas também, e acima de tudo, como aviso severo a todos os infelizes para continuarem no seu lugar e na sua casta, mansos, resignadamente satisfeitos por morrer ao longo dos séculos, e indefinidamente, de miséria e de fome...»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 75
«(...) as suas perversidades são consagradas pelas leis.»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 74
«A maior parte das pessoas só morre no último momento; outras começam a fazê-lo e a agarrar-se a isso com vinte anos de antecedência e às vezes mais. São os felizes do mundo.»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 46
Nesta profissão de sermos mortos
«Nesta profissão de sermos mortos não devemos mostrar-nos difíceis; temos de proceder como se a vida vá continuar, o mais duro é isto, esta mentira.»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 45
«Mas a partir de Outubro acabaram-se de vez as pequenas abertas e a geada tornou-se cada vez mais espessa, densa, mais tuberosa, recheada de granadas e balas. Depressa entrámos em plena borrasca, e aquilo que procurávamos não ver, a nossa própria morte, surgia em cheio à frente e já não conseguíamos ver mais nada.»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 43/44
«Fazia-se bicha para ir morrer. O próprio general já não encontrava acampamentos sem soldados. Acabávamos por nos deitar em pleno campo, generais ou não. Os que ainda tinham um resto de sentimento, perderam-no.»
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 41
Miosótis
«Flor Miosótis significa recordação, fidelidade e amor verdadeiro. É também conhecida como “Não-me-esqueças.»
(...)
«Segundo a lenda europeia, o jovem apaixonado era um cavaleiro que ao tentar apanhar a flor Miosótis para oferecer à sua amada, caiu no rio e se afogou devido ao peso da armadura que usava. Desde então, a flor simboliza o amor sincero e desesperado.
A explicação do nome "não-me-esqueças" da flor pode ser explicada por algumas lendas. Uma delas diz que num belo dia de Primavera, dois jovens apaixonados se encontravam à margem de um rio. Nas águas turbulentas, a jovem avistou um ramo de miosótis flutuando e ficou maravilhada pela beleza da flor. O seu amado, mergulhou então para apanhar as flores e oferecê-las à sua namorada. No entanto, quando tentou voltar para a margem, foi arrastado pela forte correnteza. Esta lenda conta que pouco antes de desaparecer ele gritou para a sua amada: "Não me esqueça, me ame para sempre!". A partir desse dia a flor miosótis passou a crescer nas margens dos rios, para que mais ninguém tivesse que morrer por sua causa.
Uma outra lenda conta que Adão, quando estava no Jardim do Éden dando nome às plantas, esqueceu-se de uma planta muito pequenina, que interpelou Adão para saber qual seria o seu nome. Adão então disse que seria “Não-me-esqueças”, para que ele nunca mais a esquecesse.
A flor Miosótis (Não-me-esqueças) é conhecida também em outras línguas como: “Forget-me-not” (Inglês), “Vergissmeinnicht” (Alemão), “Nomeolvides” (Espanhol), “Nontiscordardimé” (Italiano).
A flor Miosótis foi utilizada como emblema secreto da Maçonaria, para que os maçons pudessem se identificar durante as perseguições às lojas maçônicas na Alemanha.
É uma flor que simboliza a caridade e a fraternidade.
Dizem que as lágrimas derramadas nas pétalas pela Virgem Maria deram a cor azul à flor. Existem Miosótis também nas cores branca e rosada. São plantas rasteiras que se dão bem em baixas temperaturas e surgem na primavera.»
trouxe-mouxe
elemento da locução adverbial
a trouxe-mouxe a torto e a direito, confusamente, a esmo, atabalhoadamente
sábado, 23 de março de 2013
Um minuto de silêncio
"Nos anos 70, Marina Abramovic viveu uma intensa história de amor com Ulay. Durante 5 anos viveram num furgão realizando todo tipo de performances. Quando sentiram que a relação já não valia aos dois, decidiram percorrer a Grande Muralha da China; cada um começou a caminhar de um lado, para se encontrarem no meio, dar um último grande abraço um no outro, e nunca mais se ver.
23 anos depois, em 2010, quando Marina já era uma artista consagrada, o MoMa de Nova Iorque dedicou uma retrospectiva a sua obra. Nessa retrospectiva, Marina compartilhava um minuto de silêncio com cada estranho que sentasse a sua frente. Ulay chegou sem que ela soubesse e... Foi assim."
(Traduzido por Rodrigo Robleño)
23 anos depois, em 2010, quando Marina já era uma artista consagrada, o MoMa de Nova Iorque dedicou uma retrospectiva a sua obra. Nessa retrospectiva, Marina compartilhava um minuto de silêncio com cada estranho que sentasse a sua frente. Ulay chegou sem que ela soubesse e... Foi assim."
(Traduzido por Rodrigo Robleño)
sexta-feira, 22 de março de 2013
AVES CLANDESTINAS
Há aves de quem nos queremos lembrar
ou que nunca vimos, aves desempossadas
cobertas por campanários de literatura
Aves clandestinas numa curva adjacente
imponderadas pelo desgaste das palavras
como veias carregadas de tinta subversiva
Aves que espalhavam ideias como sangue
e escondiam tipografias por turnos
na encenação decisiva dos incêndios
Tiago Patrício. O Livro das Aves. Edições Quasi, 2009,.p. 42
«O sol não nascera. O mar apenas se distinguia do céu pelo leve preguear das águas, semelhantes a um tecido finamente enrugado. Lentamente, à medida que o céu clareava, uma barra de sombra desceu no horizonte, separando o céu do mar, e o grande tecido cinzento ficou marcado por grossas linhas que se agitavam sob a superfície, perseguindo-se num ritmo infindável.
Ao aproximarem-se da praia as ondas erguiam-se, tomavam forma e desfaziam-se arrastando pela areia um ténue véu de espuma branca. A ondulação detinha-se, partia de novo, suspirando como alguém que dorme e cujo sopro vai e vem sem que a sua consciência o saiba. Pouco a pouco, a barra escura do horizonte clareou como as impurezas de um vinho antigo que se depositassem numa garrafa, deixando transparecer o seu vidro. Lá ao fundo, também o céu se tornou translúcido, como se nele se houvesse desprendido um sedimento branco, ou o braço de uma mulher reclinada no horizonte erguesse ao alto uma lâmpada. Faixas de branco, amarelo e verde alongaram-se sob o céu como longas folhas de um leque. Depois a mulher ergueu a lâmpada ainda mais alto: o ar inflamado pareceu cindir-se em fibras vermelhas e amarelas, elevando-se da superfície verde num frémito ardente, como as chamas envoltas em fumo de uma fogueira. Pouco a pouco, todas as fibras se fundiram numa única massa incandescente e o cinzento do céu transformou-se num milhão de átomos de um suave azul. A superfície do mar tornou-se transparente e as grandes linhas escuras quase desapareceram no ondular das águas e na sua cintilação. O braço que sustinha a lâmpada continuou a subir devagar até que uma grande labareda surgiu.
Um disco de fogo ardeu no rebordo do horizonte e o mar à sua volta tornou-se um esplendor de ouro.
A luz feriu as árvores no jardim, e as folhas agora transparentes iluminaram-se uma a uma. Um pássaro cantou alto. Houve uma pausa. Depois outro pássaro retomou, mais baixo, o mesmo canto. O Sol deu contornos às paredes da casa e poisou como a ponta de um leque numa persiana branca, deixando uma dedada de sombra azul sob a folhagem próxima da janela de um quarto. A persiana estremeceu ao de leve, mas dentro de casa tudo permaneceu vago e sem substância. Lá fora, os pássaros cantavam as suas melodias vazias.»
Ao aproximarem-se da praia as ondas erguiam-se, tomavam forma e desfaziam-se arrastando pela areia um ténue véu de espuma branca. A ondulação detinha-se, partia de novo, suspirando como alguém que dorme e cujo sopro vai e vem sem que a sua consciência o saiba. Pouco a pouco, a barra escura do horizonte clareou como as impurezas de um vinho antigo que se depositassem numa garrafa, deixando transparecer o seu vidro. Lá ao fundo, também o céu se tornou translúcido, como se nele se houvesse desprendido um sedimento branco, ou o braço de uma mulher reclinada no horizonte erguesse ao alto uma lâmpada. Faixas de branco, amarelo e verde alongaram-se sob o céu como longas folhas de um leque. Depois a mulher ergueu a lâmpada ainda mais alto: o ar inflamado pareceu cindir-se em fibras vermelhas e amarelas, elevando-se da superfície verde num frémito ardente, como as chamas envoltas em fumo de uma fogueira. Pouco a pouco, todas as fibras se fundiram numa única massa incandescente e o cinzento do céu transformou-se num milhão de átomos de um suave azul. A superfície do mar tornou-se transparente e as grandes linhas escuras quase desapareceram no ondular das águas e na sua cintilação. O braço que sustinha a lâmpada continuou a subir devagar até que uma grande labareda surgiu.
Um disco de fogo ardeu no rebordo do horizonte e o mar à sua volta tornou-se um esplendor de ouro.
A luz feriu as árvores no jardim, e as folhas agora transparentes iluminaram-se uma a uma. Um pássaro cantou alto. Houve uma pausa. Depois outro pássaro retomou, mais baixo, o mesmo canto. O Sol deu contornos às paredes da casa e poisou como a ponta de um leque numa persiana branca, deixando uma dedada de sombra azul sob a folhagem próxima da janela de um quarto. A persiana estremeceu ao de leve, mas dentro de casa tudo permaneceu vago e sem substância. Lá fora, os pássaros cantavam as suas melodias vazias.»
quinta-feira, 21 de março de 2013
OS PINTASSILGOS DE MIRANDELA
Nasci numa casa com gaiolas brancas
espalhadas pelo Verão
Era o meu pai vivo e o meu avô estival
entrava pela hora mais terna
enquanto encarregado das gaiolas
e a minha infância inteira decrescia
no canto da casa dos pássaros
O alpendre era de uma inclinação natural
com avô e pássaros encostados à sombra dos álamos
e as gaiolas casas que os abrigavam
do frio, da fome e dos gatos bravos
A minha alegria era quente como a terra
e contava ensinar ao meu filho bisneto
a tracção pelos grilos, caracóis
e pintassilgos na doçura das borboletas
Em Mirandela havia um vale junto a um rio
com pomares e o cheiro de figos fáceis
Os pintassilgos divididos na abundância
eram como crianças atrás das amoras
que inspiram as flores de uma música sucessiva
O Pintassilgo é a mais bela ave silvestre
e se não pudesse manter as gaiolas em casa
era como se não houvesse onde permanecer
Eles amotinavam-se nas minhas barbas
desalojam corvos e os dragões dos poemas
fazem a tarde parecer tão antiga e adormecer
como a infanta primavera em que o meu avô
era o estio e os bisnetos existiam mesmo
e os nossos olhos acariciavam os pássaros,
que é tão tarde agora para dizer aqueles que morriam
exaustos a contar os meses atrás das grades
Tiago Patrício. O Livro das Aves. Edições Quasi, 2009,.p. 33/4
espalhadas pelo Verão
Era o meu pai vivo e o meu avô estival
entrava pela hora mais terna
enquanto encarregado das gaiolas
e a minha infância inteira decrescia
no canto da casa dos pássaros
O alpendre era de uma inclinação natural
com avô e pássaros encostados à sombra dos álamos
e as gaiolas casas que os abrigavam
do frio, da fome e dos gatos bravos
A minha alegria era quente como a terra
e contava ensinar ao meu filho bisneto
a tracção pelos grilos, caracóis
e pintassilgos na doçura das borboletas
Em Mirandela havia um vale junto a um rio
com pomares e o cheiro de figos fáceis
Os pintassilgos divididos na abundância
eram como crianças atrás das amoras
que inspiram as flores de uma música sucessiva
O Pintassilgo é a mais bela ave silvestre
e se não pudesse manter as gaiolas em casa
era como se não houvesse onde permanecer
Eles amotinavam-se nas minhas barbas
desalojam corvos e os dragões dos poemas
fazem a tarde parecer tão antiga e adormecer
como a infanta primavera em que o meu avô
era o estio e os bisnetos existiam mesmo
e os nossos olhos acariciavam os pássaros,
que é tão tarde agora para dizer aqueles que morriam
exaustos a contar os meses atrás das grades
Tiago Patrício. O Livro das Aves. Edições Quasi, 2009,.p. 33/4
cabotino
nome masculino
1. cómico ambulante
2. actor pouco competente na sua profissão
3. figurado indivíduo que alardeia qualidades que não tem
(Do francês cabotin, «idem»)
«(...)»
Mas por vezes o travesso vento primaveril,
Ou a combinação das palavras num livro de acaso,
Ou o sorriso de alguém puxavam-me de repente
Para a vida que não se realizou.
Nesse ano teria acontecido isso e aquilo,
Nessoutro - isto: viajar, ver, pensar
E lembrar, e em novo amor
Entrar, como num espelho, com a consciência obtusa
Da traição e com, ainda ontem não a tinha,
Uma pequena ruga...
Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992.
3
Anoitece, e no céu azul muito escuro
Onde há pouco a igreja de Jerusalém
Resplandecia com misteriosa magnificiência,
Apenas duas estrelas sobre a confusão dos ramos,
E a neve esvoaça de algures sem ser do alto,
Mas como se da terra se erguesse,
Preguiçosa, terna, com cautela.
O meu passeio foi-me estranho nesse dia.
Quando saí, ofuscou-me
O limpo reflexo sobre coisas e rostos,
como se por todo o lado as pétalas pousadas
Dessas rosas pouco grandes amarelo-rosadas,
Cujo nome eu esqueci.
O frio ar seco e sem vento de Inverno
De tal modo acariciava e guardava cada som
Que me parecia: o silêncio não existe.
E na ponte, pela balaustrada ferrugenta
Enfiavam as mãos com pequenas luvas
As crianças, para alimentar patos sôfregos e matizados
Que mergulhavam na brecha cor de tinta.
E eu pensei: não pode ser
Que um dia eu esqueça isto.
E se um caminho difícil está à minha frente,
Eis um leve peso, que posso
Carregar comigo para na velhice, na doença,
Quem sabe, na miséria - recordar
O pôr do sol exaltado, e a plenitude
Das forças da alma, e o fascínio da vida querida.
1914-1916
Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992., p. 47
carpideira
nome feminino
1. pessoa a quem se paga para chorar os defuntos durante os funerais
2. figurado mulher que anda sempre a lastimar-se
3. figurado lamúria; choradeira
1. pessoa a quem se paga para chorar os defuntos durante os funerais
2. figurado mulher que anda sempre a lastimar-se
3. figurado lamúria; choradeira
«Desgraçados dos que possuem o juízo todo.»
Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 477
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