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sexta-feira, 23 de agosto de 2019

(...)

«Fugir, fugir...
mas fugir devagarinho
para compreendermos bem
que estamos a fugir.»


Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volume. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 73
(...)

« Não vi ninguém na claridade...

Também na noite fria
o céu era momentâneo e sem verdade.»


Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 70

domingo, 4 de agosto de 2019

FUNDO

Fui procurar-Te ao fundo
lá onde as algas se torcem
roçadas pelas escamas dos peixes,
lá onde estava um barco de ferro
e um morto sem olhos ao leme,
lá onde estavam duas ostras abertas
uma com pérolas outra sem pérolas,
lá onde havia medusas e polvos
e um boné num ramo de coral,
lá onde havia silêncio e um livro rasgado
e uma âncora partida e uma cruz...

Fui procurar-Te ao fundo e já não sabia
que não Te encontraria.

Se não Te procurasse em toda a parte
nunca veria o mundo em que não estás.


Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 64

VEGETAL


Esguio, muito esguio tronco...
- difícil de rugas e cansaços.

Vagos, muito vagos ramos...
- inúteis de quebras e de súplicas.

Secas, muito secas folhas...
- difíceis de fugas e de outono.

Pálidas, muito pálidas flores...
- Inúteis de perfume e de sentido.

Difícil, sim, tudo difícil...
E no fim de ser difícil tudo inútil.

9/1/39
Obras - Vol. 8.º, pág. 48.


Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 55

«Amargura muito antes de tristeza!...»

Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 21


(...)

«O meu destino contigo
é o tu não teres
destino comigo.»

Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 45
«(...)...                        nós fizemos do teu manto
o inverno deste nosso pensamento.»


Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 37

«Amarra em ti o nosso andar sangrento,»

Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 25

« Estás triste...duma tristeza sem nome...»

Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 21
(...)

« Eu sei que tu pensas pelos teus olhos.

Não olhes, pois, assim
- porque estás formando o pensamento
não sei onde sobre mim.»


Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 17

INCÊNDIO


Uma nuvem ténue...um encarquilhar sombrio...
gotas de lume correndo e fugindo...
num novo encarquilhar...treva caindo...
e no fim só um cheiro agreste e frio.

O resto que ficou?...Não sei. Perdi-o:
A minha vida a outros foi sorrindo,
noutros olhos os meus foram dormindo... -
não se pode viver sempre vazio...

Tudo se encontra procurando bem
e se a vida não é um vai-e-vem
a cor do dia é uma questão de céu...

Aquele incêndio? Ali? ... Não é comigo.
Vê!...Ele segue um caminho que eu não sigo,
que nunca foi! nem há-de ser o meu!

Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 16
(...)

« E ter a impressão 
de que se nos atirássemos
daqui tão alto...
tombaríamos devagar...
devagar...
devagarinho...

Não sei se ser louco é ser assim!...»

4/12/38
1/7/39
Obras - Vol. 8.º, págs.4-5.



Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 15

EXTERIOR

Inclinaste a cabeça para a frente
e o teu cabelo
ondeou mais alto.

Um cabelo calmo, leve, saciado...

E o meu...
ora hesitante, fugitivo,
levantado, confundido...
ora tombado, mais fino,
mais fraco...
sem vontade nem gesto...

Não meças a minha alma
pelo que eu trago no rosto.

4/12/38
Obras - Vol. 8.º pág.3.

Jorge de Sena. Post-Scriptum II (recolha, transcrição, nota de abertura e notas de Mécio de Sena) 2.º Volme. Moraes Editores/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985., p. 13

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016


"Quando eu, amor, ao certo em mim souber
que força te consente a minha imagem
e qual das dores que, nela, há por paisagem
te alegra, ao ser maior, e me não fere,

e porque o que de ti pura mulher
me é tão amargo em ventres de passagem,
embora os risos, que ouço maus, me ultrajem,
precisamente o amor com que eu tiver,

isento de maldade, o teu carinho
e o desses tristes ventres renovados,
e lembrem que não só por estar sozinho
apenas choro os seres nunca gerados,

ao certo saberei que imagem tenho
e a qual Amor, de mim a ti, eu venho."


 Jorge de Sena. "Visão Perpétua"

segunda-feira, 8 de agosto de 2016



[Sobre Natália Correia, Jorge de Sena disse: "um poeta que se impôs pessoalmente e às suas atitudes, na vida literária portuguesa […] pela forma como soube transformar o escândalo numa espécie de terror sagrado do provincianismo embevecido". Esse pecado original acompanhou-a até ao fim. A independência tem um alto preço (...). Em vida, Natália foi respeitada e ridicularizada com igual convicção. Depois da sua morte, lembro-me das palavras solidárias de David Mourão-Ferreira e Manuel Alegre, enaltecendo no Parlamento a memória da "feiticeira cotovia". De resto, a generalidade dos companheiros de geração olhou para o lado, numa reserva que traduz o preconceito da intelligentsia contra a autora de Mátria. (…)

Poeta, ensaísta, dramaturga, ficcionista, estudiosa de cantares galego-portugueses, da tradição erótica e satírica, do barroco, do surrealismo, de certas vertentes do oculto, e de outros assinalados domínios (...), Natália foi uma vítima do obscurantismo soez dos ominosos tempos da ditadura, mas, ironia suprema, a democracia foi-lhe fatal.

Eduardo Pitta
, "Entre o perfume e a morte”, in Comenda de Fogo, Ed. Círculo de Leitores, 2001

domingo, 10 de abril de 2016



"Saiba morrer o que vive não soube.
Saiba morrer o que não viver soube.
Saiba morrer o que não viver não soube.
Saiba morrer o que viver soube.
Saiba não morrer o que vive não soube.
Saiba não morrer o que viver soube.
Saiba não morrer o que não viver não soube.
Saiba não morrer o que viver soube.
Não saiba morrer o que viver não soube.
Não saiba morrer o que não viver soube.
Não saiba morrer o que não viver não soube.
Nao saiba morrer o que viver soube.
Não saiba não morrer o que viver não soube.
Não saiba não morrer o que não viver soube.
Não saiba não morrer o que não viver não soube.
Não saiba não morrer o que viver soube."

Jorge de Sena,"Sequências", Moraes Editores, 1980 (1a edição)

terça-feira, 22 de março de 2016

Anedota célebre das conversações de Goethe com Eckermann

«Eckermann estava uma vez a conversar com o velho Goethe e disse-lhe assim: «O senhor lembra-se que o seu romance Werther teve uma importância muito grande na sensibilidade alemã? Na altura que esse livro saiu, isso deu uma crise enorme e houve inúmeras pessoas que se suicidaram!». E Goethe, com aquela raposice que ele tinha, disse: « Ah, sim, é curioso, e eu que escrevi esse livro para não me suicidar!»

Jorge de Sena

sábado, 24 de outubro de 2015

"Domingo pardo e sem gente
a não ser uns vultos rápidos
lisos sobre a rua
Cortinas agressivas, campainhas,
trote de cavalo, buzina,
«Vais lá hoje?», saltos a correr, jornais...
Além uma janela com as portas de vidro e as de pau cruzadas.

É cedo...
Por isso agora lentamente,
absortamente,
os primeiros anjos aparecem
e simples, nem mais sujos nem mais limpos,
vão a percorrer um campo de visão e vidro...
De quando em quando param...
as mãos espalmam-se-lhes baixas,
brancas oscilando
com um dedo a menos...
outros passos... costas... asas... e uma esquina.

Só os primeiros anjos
são anjos verdadeiros, totais...
Os outros que passarem
já encontram lembranças de hoje nos meus olhos...
E não poderão ter asas."

-"Post- Scriptum II"
- Jorge de Sena

Eduardo Lourenço fala sobre Jorge de Sena

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

De mim a ti, de ti a mim,
quem de tão longe alguma vez regressa?

(Jorge de Sena)
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