sexta-feira, 23 de agosto de 2013

''os dias primaveris passavam velozes e sobrecarregados de imagens''


Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 122

''passou o serão em longa cavaqueira com ele''

Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 122

X

«Voltara o gelo a derivar rios abaixo, voltaram a rescender as violetas sob a folhagem apodrecida, voltara Goldmundo à vida errante, acompanhando as estações do ano, sorvendo com olhos insaciáveis a paisagem das florestas, dos montes e das nuvens, seguindo de herdade em herdade, de terra em terra, de mulher para mulher; passara tardes frias, opresso e de coração magoado, debaixo de janelas por detrás das quais a claridade rósea de uma luz irradiava bela e inatingível, significava para ele toda a felicidade, paz e aconchego que pode haver no mundo. E tudo voltava, tudo o que tão bem julgava conhecer se repetia, mas sempre diversamente: as longas caminhadas por campos, charnecas e estradas pedregosas, o sono estival na floresta, a vadiagem nas aldeias atrás dos ranchos de raparigas que regressavam da ceifa ou da apanha do lúpulo, o primeiro aguaceiro outonal, os primeiros gelos ruins - tudo se repetia, no constante desenrolar da infinda bobina colorida.»



Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 121
patient suffering from hemorrhage of the eyes associated with hemorrhagic fever with renal syndrome (HFRS), formerly Korean hemorrhagic fever.

Morte

«Jejuas, amigo? Privaste-te do sono? Ela logo te cantará o fadário, a amiga morte despojar-te-á de tudo, até dos ossos. Foge, caríssimo, e mantém os ossos bem juntinhos que eles só querem dispersar-se e não ficarão connosco. Pobres ossos, pobres goelas e pobre papo, pobre pedaço de cérebro sob o crânio! Tudo se separa de nós, tudo quer que o diabo o leve, e os corvos, as sotainas negras, lá estão empoleiradas nas árvores.»


Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 117
«(...); havia dias em que a solidão e a tristeza pesavam-lhe sobre o peito e oprimiam-lhe o coração.»


Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 109

Quando acordou no dia seguinte, depois de um sono agitado, tinha a almofada húmida de lágrimas.

«A porta rangia, o vento chiava e embatia contra o vigamento do telhado. Tudo parecia enfeitiçado, tudo ressumava mistério e ansiedade, promessa e ameaça. Goldmundo não sabia que pensar, nem que fazer. Quando acordou no dia seguinte, depois de um sono agitado, tinha a almofada húmida de lágrimas.»


Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 98

Há-de rir-se, quando vir que não aprendeste sem sequer a beijar.

«- Que pena não poder nunca contentar-te. Porque havia eu de ter interesse em fazer-te vaidosa? És bela e gostaria de mostrar-te a gratidão que a tua beleza me inspira. Forças-me a dizê-lo por palavras; poderia dizê-lo mil vezes melhor do que por palavras. Por palavras nada te posso dar! Por palavras nada posso aprender de ti nem tu de mim.
  -E que posso eu aprender contigo?
  -Eu contigo e tu comigo, Lídia. Mas tu não queres; só queres amar de quem venhas a ser noiva. Há-de rir-se, quando vir que  não aprendeste sem sequer a beijar.
  -Com que então queria dar-me lições de beijos, senhor magister?
  Ele sorriu-lhe. Embora as palavras dela não lhe agradassem, não podia deixar de pressentir a sua feminilidade por detrás daqueles discursos arrebatados e um tanto inautênticos; sentiu que o desejo se apoderava dela e que ela, receosa, lhe resistia.»





Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 95
«- Não julguei nem pensei em nada, Lídia; a verdade é que penso muito menos do que imaginas. Não desejo senão que me beijes uma vez. Falamos tanto. Os amantes não falam. Parece-me que não me amas.»
 
 
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 94

Em meia hora fez-se muitos anos mais velho.


Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 67

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

«De inicio, foi Narciso, quem mais sofreu. Tudo era espírito, para ele, mesmo o amor; não lhe era fácil abandonar-se irreflectidamente a uma inclinação.»


Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 27

lusco-fusco

Narciso

« - Narciso- disse o abade uma vez, depois de o ter ouvido sem confissão - reconheço-me culpado de um juízo severo a teu respeito. Pareceste-me muitas vezes orgulhoso e talvez tenha sido injusto para contigo. Estás muito só, meu jovem irmão, vives muito isolado, tens admiradores, mas não tens amigos. Gostaria bem que tivesses às vezes qualquer deslize, como é fácil suceder na tua idade. Mas nunca tens deslizes. Preocupas-me um pouco narciso.»



Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 9

Women Who Read are Dangerous

''diamantes de sangue''

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

iniludível


adjetivo de 2 géneros

1. que não se deixa iludir
2. que não admite dúvidas; evidente

Sabina


A criança moderna


«(...) A criança moderna não tem mais nada a que se agarrar ou, para ser mais exacto, nada com que se agarrar. Actualmente aderimos à vida como o último dos nossos músculos - o coração.
   - O único músculo da aristocracia é a loucura - lembre-se disto ( o doutor inclinou-se para a frente) - a última criança que nasce à aristocracia é, por vezes, um idiota; por respeito subimos, mas voltamos a cair.»


Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 53/4

domingo, 11 de agosto de 2013

da rosa vermelha
à rosa negra
 
dois sóis
trabalham dia
e noite
a fulgurante incandescência
 
 
 
Manuel Gusmão. Dois sóis, A rosa. A arquitectura do mundo. Editorial Caminho, Lisboa,  2ª Edição, 1990., p. 133

''disciplinado delírio''


a queda amo-
rosa,
de onde foi
olhada
 
um «milhão de pássaros»
em fogo
passando pelo buraco de uma agulha,
a rosa
no écran solar
 
 
Manuel Gusmão. Dois sóis, A rosa. A arquitectura do mundo. Editorial Caminho, Lisboa,  2ª Edição, 1990., p. 121
no centro da rosa
o gelo reflecte exaltado
a galeria em chamas
que o rodeia
 
 
Manuel Gusmão. Dois sóis, A rosa. A arquitectura do mundo. Editorial Caminho, Lisboa,  2ª Edição, 1990., p. 117
em suas muralhas
a rosa fecha o olhar delas
se despenha. a elas
sobe.
 
como se quisesse atingir um sol
que intermitente,
centro de si mesma, se
deslocasse. -
a rosa contra/diz-se,
e ele ama-te.
 
 
 
Manuel Gusmão. Dois sóis, A rosa. A arquitectura do mundo. Editorial Caminho, Lisboa,  2ª Edição, 1990., p. 103
«A voz dele elevou-se acima do fumo negro perante os destroços inflamados da ilha; contagiados por aquela emoção, os outros garotos começaram também a tremer e a soluçar. No meio deles, como o corpo imundo, o cabelo emaranhado e um nariz gotejante, Ralph chorou pelo fim da inocência, pelas trevas no coração do homem e pela queda no vazio do verdadeiro e sensato amigo a que chamavam Piggy.»



William Golding. O Deus das Moscas. Tradução de Manuel Marques, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008., p. 258

sábado, 10 de agosto de 2013

«Caminharam lado a lado, como dois mundos de experiência e sentimentos incapazes de comunicar.»



William Golding. O Deus das Moscas. Tradução de Manuel Marques, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008., p. 72

terça-feira, 6 de agosto de 2013

«Porque será que sempre que ouço música penso que sou uma mulher casada?»


Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 47
«O peito em que batemos quando estamos alegres não é o mesmo em que batemos quando estamos tristes;»



Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 46

neurastenia


nome feminino

1. MEDICINA estado caracterizado pela debilidade física e psíquica, acompanhada de perturbações psíquicas (tristeza, insónia, angústia, indecisão) e funcionais (digestivas, cardiovasculares, sexuais), e dores em diversos locais do corpo

2. coloquial mau humor acompanhado de irritabilidade

3. coloquial estado de depressão acompanhado de tristeza

(Do grego neũron, «nervo» +asthéneia, «fraqueza»)

o tempo de interiorização


«; tal como o corsage de uma mulher se torna subitamente marcial e doloroso com a rosa lançada entre as flores mais decorosas pela mão de um amante que sente como uma violência o facto da permissão que lhe é dada para um último abraço coincidir com a necessidade de sair, transformando num evanescente, num infinitesimal sinal o que um momento antes era um peito exuberante e luminoso, retirando-lhe o tempo de interiorização (porque um amante conhece dois tempos, o que é dado e aquele que tem de elaborar) - assim também Félix ficou surpreendido ao descobrir que as mais comoventes flores depositadas no altar que tinha erigido à sua imaginação ali haviam sido colocadas por gente de duvidosa reputação e que a mais vermelha de todas devia ser a rosa do doutor.»


Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 44/5

elucubrações

''tinha cabelos tão vermelhos como um incêndio de Primavera''

«É o que lhe digo, minha senhora, se alguém fizesse nascer um coração num prato ele diria «Amor» e agitar-se-ia como uma pata de rã cortada.»


Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 40
«-Vocês discutem demasiado facilmente sobre a dor e a confusão, disse Nora.
  -Espere! Respondeu o doutor. A dor de um homem corre com dificuldade, é verdade que lhe é difícil suportá-la, mas é igualmente difícil guardá-la. No que me diz respeito, enquanto médico, sei em que bolso um homem guarda o coração e a alma, e qual é a sacudidela do fígado, dos rins e dos testículos que faz com que esses bolsos sejam visitados. Só existem confusões; a esse respeito dou-lhe toda a razão. Nora, minha filha, confusões e inquietações vencidas - é isso que nos forma a todos e a cada um. Quando se é um gimnosofista é possível passar sem roupas e se tivermos as pernas em alamar sentimos mais vento entre os joelhos do que qualquer outra pessoa; e isso ainda é confusão; a via escolhida por Deus, vai ter a um muro.»



Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 35

sábado, 3 de agosto de 2013

«Não sou nem um malabarista, nem um frade, nem sequer uma Salomé do século XIII dançando de rabo para o ar sobre um par de lâminas de toledo - experimente fazer isso hoje a uma rapariga com desgosto de amor, macho ou fêmea!»



Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 32
''Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio , Hígia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo o meu poder e a minha razão, a promessa que se segue''

Juramento médico

«Apoiava, por detrás das costas, as mãos contra a mesa. Parecia constrangida.
     -Dizem realmente o que pensam, um e outro, ou estão apenas a manter a conversa?
      Depois de falar, o rosto enrubesceu e (...)»



Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p.

''insistente e falhado elogio''

«(...) diz pequenas frases fascinadas, precipitadamente.»

Manuel Gusmão. Dois sóis, A rosa. A arquitectura do mundo. Editorial Caminho, Lisboa,  2ª Edição, 1990., p. 44

palimpsesto


nome masculino

1. pergaminho cujo manuscrito os copistas medievais raspavam para sobre ele escreverem de novo, mas do qual se tem conseguido, em parte, fazer reaparecer os caracteres primitivos
2. figurado texto que existe sob outro texto

(Do grego palímpsestos, «raspado de novo», pelo latim palimpsestu-, «idem»)
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