terça-feira, 23 de maio de 2023

 ''Dão-nos um cravo preso à cabeça

E uma cabeça presa à cintura

Para que o corpo não pareça

A forma da alma que o procura.''

Natália Correia

 VERSOS ESCARLARES, RISOS AMARELOS

E LÁPIS AZUIS:

CRÓNICA DE UM LIVRO PROIBIDO


Natália Correia. Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica

domingo, 21 de maio de 2023


 “El rapto (The Abduction), Juchitán, México,” 1986.Photographs by Graciela Iturbide

Ana Lua Caiano - Se Dançar É Só Depois


Se dançar é só depois Para já, já estou morta Morta para ir dormir Dormir p’ra amanhã voltar Voltar a acordar Com ideias mal cozidas Mal cozidas p’ra empratar Numa folha de papel Ai, ai, ai eu Acordei feita num oito Dormi com os pés no chão Para ser mais fácil levantar Ai, ai, ai eu Nunca cortes meus delírios Quero esquecer minha farda P’ra não ir mais trabalhar Ai, meu amor, Quando nós vivermos juntos Ai, meu amor, Quando o quarto for p’ra dois Ai, espera-me à noite, amor, Espera-me à noite De dia nunca tenho Tempo p’ra dançar E se dançar tem que ser Devagarinho E se dançar tem que ser Bem devagar Ai, porque o meu corpo, amor, E o teu corpo Nossos corpos Já só sabem maquinar Se dançar é só depois Para já, já estou morta Morta para ir dormir Dormir p’ra amanhã voltar Voltar a acordar Com ideias mal cozidas Mal cozidas p’ra empratar Numa folha de papel Ai, ai, ai eu Ai, a sorte não me encontra Pensa que já estou morta Guarda meu ouro p’ra outro Ai, ai, ai eu Os meus pés acordam frios Minhas mãos a encolher A sorte não dá de comer Ai, meu amor, Se conseguirmos viver juntos Ai, meu amor, Se o meu quarto aumentar Ai, espera-me à noite, amor, Espera-me à noite Continuo sem ter Tempo p’ra dançar Se dançar é só depois Para já, já estou morta Morta para ir dormir Dormir p’ra amanhã voltar Voltar a acordar Com ideias mal cozidas Mal cozidas p’ra empratar Numa folha de papel Ai, ai, ai eu Acordei feita num oito Dormi com os pés no chão P’ra ser mais fácil levantar Ai, ai, ai eu Nunca cortes meus delírios Quero esquecer minha farda P’ra não ir mais trabalhar Ai, ai, ai eu Acordei feita num oito Dormi com os pés no chão P’ra ser mais fácil levantar Ai, ai, ai eu Nunca cortes meus delírios Quero esquecer minha farda Quero ir mas é dançar

 «Digna-te a olhar para a minha

dedicação.»


Robert Walser. Gata Borralheira. Tradução de Célia Marques. Maldoror, 2021., p. 37

 «Cheio de preocupação

sincera, amavelmente

um príncipe demonstra ao

bobo que não é tolo.»


Robert Walser. Gata Borralheira. Tradução de Célia Marques. Maldoror, 2021., p. 35


 

sábado, 20 de maio de 2023

 «(...) A dor fingida,

imitadora da dor verdadeira,

mata.»


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 163

 «(...)  Uma doença

é uma garganta

carnívora.»


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 158

135

 A morte para os romanos era um homem

mascarado de lobo, um jogo tenebroso

entre o predador e a sua predadora.

Diz Ovídeo (para quem tudo é caça)

que o homem persegue a mulher, o deus

a ninfa, o cão a lebre: perseguem vestígios

que escapam a goelas e armadilhas.

De toda essa devastação sobra apenas

a figura do vento, a sua inconstante respiração.

A ninfa envelhece, a lebre escapa ao dente

e o homem violador fica subitamente

sem tesão. A morte é uma loba acossada,

uma caçadora, uma escrava e detentora

do seu eterno pó. Valha-nos a memória

dos frescos de Pompeia.


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 154

''Amar é aceitar o Outro tal como ele é: frágil e angustiado.''

Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 153

 «(...) Coração, sim - enrugado

por tanta dor.»


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 143

 «As veias vão rasgando

a via do suicídio.»


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 131

 «(...)

estou, se na relva ou no mármore estou

porque toda te desfazes no teu ofício

de me desfazeres.»


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 130


 

 «(...) E o sol

pouco a pouco vai caindo,

escurecendo.»


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 128

''Abundante, a cegueira.''

Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 128

 «(...)

Fiquei a pensar nela. Nos seus dedos

desviando um ramo de cerejeira

para me ver melhor.»


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 126

 «(...) Uma hóstia

de sangue. Pão infinito.»


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 117

« e não há nada  para sofrer, nada

para lamentar.»

Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 101

''na boca do abismo''

Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 101

 

«(...), um dia lágrimas,

no outro cerejas negras, »


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 101


Sabine Weiss
Robert Doisneau,1986

 

85

 Agora que me dedico ao ócio

não tenho tempo para nada.

Vou destruindo pouco a pouco

os restos da minha bagagem.

*


(....)

* ócio no sentido romano da palavra:

o abandono das ocupações públicas.


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 99

 «Lábios ou aves? E já 

molhados. Plenos de sangue.»

Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 90

quinta-feira, 18 de maio de 2023

''Amo-te porque deixei de ter pressa.''

Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 87

« e bebo nas tuas coxas o linho molhado

da minha infância.»

Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 87

''dor antiquíssima''

Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 81

Lana Del Rey - Candy Necklace ft. Jon Batiste

63

 O amor é um vento

que faz cair paredes.


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 75

''bebedores de rios''

 Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 73

''pó cósmico''

o crime-fim

'' E subitamente a mão no joelho''

Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 63


 

 «(...)

                                       A morte, 

não te esqueças, respira-se devagar,»


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 59

plantas subaquáticas

43

 Do mundo não conheço apenas os figos

e o mágico rubor das raparigas -

embalei nos braços um pai já morto

e senti a febre dos filhos

no meu dorso.


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 53

34

 

Toco-te nos mamilos, vão

voar. Lambo-os e já

se desfazem. Tomo-os

nos lábios, duas gotas de terra são.

Mordo-te. Mordes-me - e levanta-se

um fogo

que nos vai devastar.


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 43

Hamilton Leithauser + Rostam - A 1000 Times (Official Video)


I had a dream that you were mineI've had that dream a thousand timesA thousand times, a thousand timesI've had that dream a thousand times
I left my room on the west sideI walked from noon until the nightI changed my crowd, I ditched my tieI watched the sparks fly off the fireI found your house, I didn't even tryThey'd closed the shutters, they'd pulled the blindsMy eyes were red, the streets were brightThose ancient years were black and white
The 10th of November, the year's almost overIf I had your number, I'd call you tomorrowIf my eyes were open, I'd be kicking the doors inBut all that I have is this old dream I've always had
A thousand times, a thousand timesI've had that dream a thousand timesA thousand times, a thousand timesI've had that dream a thousand times
I left my room on the west sideI walked from noon through the nightI changed my crowd, I ditched my tieI watched the sparks fly off the fireI found your old house, I didn't even tryThey'd closed the shutters, they'd pulled the blindsI had a dream that you were mineI've had that dream a thousand times
But I don't answer questions, I just keep on guessingMy eyes are still open, the curtains are closingBut all that I have is this old dream I must have had
A thousand times, a thousand timesI've had that dream a thousand timesA thousand times, a thousand timesI've had that dream a thousand timesA thousand times, a thousand timesI've had that dream a thousand timesA thousand times, a thousand timesI've had that dream a thousand times


 

 «(...)

Sou um homem do passado

descendo os infernos

que mitos enunciaram: memórias de estrelas

que deram à luz planetas

com suas ervas e mares.»


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 40

 «(...) E fincas as mãos

na minha cabeça. E todo eu começo

                    a ser sede.»

Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 33

22

 

E toda te abres

como se fosse

por acidente.


E em ti mergulho

como quem descobre

uma ilha líquida.


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 30

 As nuvens

navegam

brancas nos rios


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 29

domingo, 14 de maio de 2023

 Agora

colherei um pouco mais depressa

as rosas cansadas, as pétalas

eufóricas

da minha morte.


Casimiro de Brito


sábado, 13 de maio de 2023


 

2

 

Amo-te

porque a palavra correu entre a tua pele

e a minha. Amo-te porque nos olhámos

e me engoliste no teu olhar. Amo-te

porque ouvi a febre, esse todo em ti

inesgotável, essa humidade

que me devolve a seiva

mais antiga. Amo-te 

porque me dás tudo o que me falta.

E amo-te porque me revelas

em cada momento

que precisas de mim. E agora sou eu

que não sei viver sem a tua constante 

confirmação

de que o paraíso existe.


Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 8

estrelícias

 ave-do-paraíso

« a mágoa das mães paradas no silêncio dos

quintais,»

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 124

 « para quê esta canção de cinzas que alguém

atirou ao mar,

com o nome dos amigos por dentro,

com o seu lamento que nos traz o vento.»


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 123

Graciela Iturbide

 

« para quê estes gladíolos sobre a mesa onde

escrevemos todas as palavras dos condenados,

todas as formas de pedir perdão,

de dizer adeus,»


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 122

 «onde não rasgamos as nuvens com os arados da

nossa dor.»


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 121

''Subitamente, é demasiado tarde.''

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 115

 «De joelhos,

ele ainda rezava, voltado para o altar.

Parece que também enlouquecia.»


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 110

 «há um rasto de ternura sobre a neve e sobre a 

lava,

há um anel de aço que aperta a garganta,»


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 108


Graciela Iturbide

 

 «As facas esperam um gesto que as conduza ao

pão.»

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 101

''chora os teus mortos através do mundo''

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 94

 « o adeus magoado dos que partiram um dia,

dos que te amaram um dia.»


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 93

''frio rosto de mármore''

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 82

romã tardia

 coração despedaçado

quinta-feira, 11 de maio de 2023

sonambulamente


 

 «Pouco resta de cada hora,

de cada grito,

de cada vez que os meus dedos trémulos

abriram a tua blusa em chamas,

bordada de romãs tardias,

com delicados fios de sangue,

de lado a lado dos seios quentes.»


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 67

 «Partiste.

Deixaste que uma luz muito fria caísse no

lago dos teus olhos,

transformando em estátuas de vidro os

peixes e o cisne.»


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 66/67

 «Queria um altar de gardénias para a sua 

insónia.»

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 65

''quando o crepúsculo traz a sua dor''

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 58

Blanca Paloma - EAEA

''um rosto de vidro onde bate a lua,''

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 57

 «Chamaste por mim em vão,

e como esse rei de rosto triste, também

choraste em vão.

Estavas só, sempre estiveste só,

E ao recordares uma orquídia,

um cântaro,

as mesas com toalhas de renda e os lírios,

assomaram aos teus olhos todas as lágrimas.»

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 53

''entre o pó e as hortênsias''

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 51

''tudo amadurece deslumbradamente no Sul.''

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 51


Graciela Iturbide

 

BENDITO SEJA

 Bendito seja o fruto do teu ventre,

minha mãe

minha casa de silêncio,

erguida sobre as montanhas.


Benditos eram os dedais da tua arte, as

agulhas do teu lume,

quando bordavas com fios de prata e dor

os xailes de orações murmuradas,

de vagas entoações de búzios.


Ainda respiro na tua água,

a tua água muito de dentro,

ainda chamo por ti quando os lobos me

procuravam,

quando o terror bate nos olhos dos animais 

puros.


Bendita seja a morada nossa de cada dia

e o belo pássaro do vento

que canta pela última vez nos ramos

da árvore despida.


Bendita sejas para sempre,

minha mãe das terras latas,

minha senhora de irremediável luto.


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 49/50

« meu amor que acendes na lua o teu rosto ferido»

José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 38

Mezcal

 «Despeço-me de ti,

rapariga de olhos sombrios que já não espreitam

pelas janelas de um porto sem navios e te

perdes na cidade do meu terror,»


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 37

maralha

''Sobrevive a fome tristíssima de um povo ainda mais triste.''

terça-feira, 9 de maio de 2023



Graciela Iturbide



 

SOU APENAS UM HOMEM

«Sou apenas um homem entre as lápides.

E, quando os mortos murmuram o meu nome,

digo simplesmente que estou aqui,

acendendo as velas,

rezando outra vez, com palavras humildes,

nos altares destruídos.»


José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 35
Powered By Blogger