''Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.''
コカインの時間を介しての旅です
A morte para os romanos era um homem
mascarado de lobo, um jogo tenebroso
entre o predador e a sua predadora.
Diz Ovídeo (para quem tudo é caça)
que o homem persegue a mulher, o deus
a ninfa, o cão a lebre: perseguem vestígios
que escapam a goelas e armadilhas.
De toda essa devastação sobra apenas
a figura do vento, a sua inconstante respiração.
A ninfa envelhece, a lebre escapa ao dente
e o homem violador fica subitamente
sem tesão. A morte é uma loba acossada,
uma caçadora, uma escrava e detentora
do seu eterno pó. Valha-nos a memória
dos frescos de Pompeia.
Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 153
Agora que me dedico ao ócio
não tenho tempo para nada.
Vou destruindo pouco a pouco
os restos da minha bagagem.
*
(....)
* ócio no sentido romano da palavra:
o abandono das ocupações públicas.
Do mundo não conheço apenas os figos
e o mágico rubor das raparigas -
embalei nos braços um pai já morto
e senti a febre dos filhos
no meu dorso.
Toco-te nos mamilos, vão
voar. Lambo-os e já
se desfazem. Tomo-os
nos lábios, duas gotas de terra são.
Mordo-te. Mordes-me - e levanta-se
um fogo
que nos vai devastar.
E toda te abres
como se fosse
por acidente.
E em ti mergulho
como quem descobre
uma ilha líquida.
Amo-te
porque a palavra correu entre a tua pele
e a minha. Amo-te porque nos olhámos
e me engoliste no teu olhar. Amo-te
porque ouvi a febre, esse todo em ti
inesgotável, essa humidade
que me devolve a seiva
mais antiga. Amo-te
porque me dás tudo o que me falta.
E amo-te porque me revelas
em cada momento
que precisas de mim. E agora sou eu
que não sei viver sem a tua constante
confirmação
de que o paraíso existe.
Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 8
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 115
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 94
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 82
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 58
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 57
«Chamaste por mim em vão,
e como esse rei de rosto triste, também
choraste em vão.
Estavas só, sempre estiveste só,
E ao recordares uma orquídia,
um cântaro,
as mesas com toalhas de renda e os lírios,
assomaram aos teus olhos todas as lágrimas.»
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 51
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 51
Bendito seja o fruto do teu ventre,
minha mãe
minha casa de silêncio,
erguida sobre as montanhas.
Benditos eram os dedais da tua arte, as
agulhas do teu lume,
quando bordavas com fios de prata e dor
os xailes de orações murmuradas,
de vagas entoações de búzios.
Ainda respiro na tua água,
a tua água muito de dentro,
ainda chamo por ti quando os lobos me
procuravam,
quando o terror bate nos olhos dos animais
puros.
Bendita seja a morada nossa de cada dia
e o belo pássaro do vento
que canta pela última vez nos ramos
da árvore despida.
Bendita sejas para sempre,
minha mãe das terras latas,
minha senhora de irremediável luto.
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 38
«Sou apenas um homem entre as lápides.
E, quando os mortos murmuram o meu nome,
digo simplesmente que estou aqui,
acendendo as velas,
rezando outra vez, com palavras humildes,
nos altares destruídos.»