Quando o mundo estiver reduzido a um só bosque negro para os nossos quatro olhos espantados - a uma praia para duas crianças fiéis - a uma casa musical para a nossa clara simpatia - encontrar-vos-ei.
Quando só haja aqui um velho solitário, belo e calmo, rodeado de um «luxo inaudito» - a vossos pés estarei.
Quando eu assumir a vossa ânsia toda - seja eu aquela que vos estran- gula - e estrangular-vos-ei.
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Quando somos muito fortes - quem foge?muito alegres - quem cai no ridí- culo? Quando somos muito maus, que fariam de nós?
Alindai-vos, dançai, desatai a rir.- Eu nunca poderia atirar o Amor pela janela.
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Jean-Arthur Rimbaud in Iluminações Estúdios Cor Tradução Mário Cesariny
"Ela pode nos tornar de tempos em tempos mais conscientes dos sentimentos profundos e anónimos que constituem o substrato de nosso ser no qual penetramos raramente, porque nossas vidas são sobretudo, uma evasão constante de nós mesmos."
«Tira essa máscara de ouro ardente E olhos de esmeralda.» «Oh não, meu amor, atreves-te demasiado A ver se um coração é selvagem e sábio, Sem ser frio.»
«Só quero ver o que houver para ver, O amor ou o engano.» «Foi a máscara o que ocupou a tua mente, E fez bater o teu coração, Não o que está por detrás.»
«Mas a não ser que sejas minha inimiga Devo inquirir.» «Oh não, meu amor, deixa tudo ser como é; Que importa, se entretanto houver fogo Em ti e em mim?»
W. B. Yeats in Uma Antologia Assírio & Alvim, 1996
«Mas esquecer não é a palavra que convém aqui...A memória deste homem não sofreu mais do que a sua força de imaginação. Quanto a remover montanhas, nem a sua memória nem a sua imaginação o podem; este homem, é necessário reconhecê-lo, mantém-se fora do nosso povo, fora da nossa humanidade, não cessa de ser esfomeado, só o instante lhe pertence, o instante ininterrupto da calamidade, instante que não é seguido de nenhuma faísca, de nenhum momento de reconforto;há apenas sempre uma mesma coisa: as suas dores, mas no mundo inteiro nenhuma outra coisa que se possa fazer passar por remédio, não há mais solo do que aquele que podem cobrir as suas mãos, tem portanto menos do que o trapezista do Music- Hall, para o qual se tomou o cuidado de estender uma rede acima do solo».
Franz Kafka in Antologias De Páginas Íntimas Guimarães Editores
O meu olhar escurece sempre que fechas a porta, a mais sombria partida que o meu coração não aguenta.
Desço o Oriente até encontrar o poente do sol nos teus olhos,
bordo a febre que me habita o coração, perco os dias só neste cansaço.
[ A minha mão que escreve começou a tremer há dias...]
Descrente e enforcado no meu corpo doente,
tornei-me poeta sonâmbulo, e, aqui tenho notado que já não espero alento.
Tudo o que me rodeia entristece o meu peito, e o revólver que aperto entre os dedos
é um desassossego dentro do meu monólogo de acesos tambores
espero...
por uma certa quantidade de atrito.
Ocupo-me com o absurdo das horas vagas.
Não mudo o braço direito para o meu lado esquerdo
onde o chá de barbas de milho arrefece ao pé da lareira
quase apagada - e, diz-me quem sabe, que o tempo
é uma aragem: passa e só tardiamente damos conta que passou.
Acendo o cigarro que se alimenta do fumo dessas comédias dos mortos vivos.
Oiço no café, as explosões da segunda guerra mundial, cristalizada nos olhos dentados de vazio -
negrume aflição - e, são tantas as estátuas de mármore sentadas à espera de movimento;
por dentro, quem sabe o que choram, o que dizem,
o que gritam? Sabê-lo arruinaria a minha alma cansada de aspirar cansaço...
Deito-me na nuvem da noite e finjo encontrar a luz saciada de lugares.
No estreito desfiladeiro, analiso os homens miseráveis até ao fundo
e, por isso, a minha mão que escreve começou a tremer há dias...
O meu destino fecha-se nesta nuvem que se afasta para dentro de um charco -
algures perco a minha alma - ouço os cascos de um cavalo que revolteia naquele penedo cinzento, uma torre inanimada que chama pelas ruínas.
Não devo nada a ninguém (a não ser a Deus), e amor algum
me pede para ficar nesta multidão. Vejo os futuros anos que me esperam
entre a colmeia das abelhas - o anoitecer dos mortos que ainda sonham.
[ E só aos céus compete despir a casca do nome que somos feitos.]
Prevejo a minha morte, como um aviador que na Guerra
sabe que o seu dia chegará [ o rio segue inquieto pelas margens.]
Estou certo que o mundo que habito é uma guerra permanente
mas em ignorante boa-vontade fazemos do acaso uma comédia
que se vende em jornais de rua. Como se houvesse o propósito
de entreter o pensamento de quem possa ousar pensar.