domingo, 15 de março de 2015

Pára de Olhar Para Mim

Ao ver meu quarto aberto
Alguém entrou
Só no acender da luz
Vê que eu não estou
Eu jurei
Quando eu voltar
Ninguém mais vai entrar
Para sempre eu vou esperar por ti
Pára de olhar para mim
Deixa-me ser alguém
Tão cedo não vais ver ninguém
Ao ver meu quarto aberto
Alguém pensou
Foi para mim que alguém assim o deixou
Para quê mentir
Se eu bem sei
Que não há ninguém igual
Para sempre eu vou esperar por ti
Pára de olhar para mim
Deixa-me ser alguém
Tão cedo não vais ver ninguém
Guardar cá dentro amor
Não nos faz nada bem
Quando cá fora o ódio quer entrar
Fui morar pra paixão
Pois eu sei
Que não há melhor lugar
Para sempre eu vou esperar por ti
Pára de olhar para mim
Deixa-me ser alguém
Tão cedo não vais ver ninguém
Eu só quero dar-te alguém melhor

sexta-feira, 13 de março de 2015

"Escreve-se para que algo aconteça
sem acrescentar nada ao mundo"


- António Ramos Rosa, As Palavras.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Coffee girl


«T: Então o que é que queres? Foder?
Ou queres que te bata?
L: Eu quero qualquer coisa real!
T: Então vou começar a gritar: estúpida e fedorenta de
merda
cona nojenta
puta de puta
puta cancerosa
racha pestilenta
balde de cancro
rio de aftas
porque é que não pões o dedo no iogurte
e o metes depois pela cona acima
para poderes finalmente ver-te livre desses fungos
e nós podermos, finalmente, dar mais uma queca!
E depois começas tu a gritar para mim:
Estupor de merda, cara de merda...
L: Eu é que decido o que te quero gritar,
mas eu não te quero gritar mais nada
porque estaria a desperdiçar o meu tempo e a minha
voz
T: Nem sequer tens voz
L: Caralho!
T: OK
     Cona!»

Gerardjan Rijnders Buraco Negro. Campo das Letras, 1999, p. 169/170

«T: Queres dizer que eu não te consigo dar esse
sentimento?
L: Porque é que tens que reconciliar tudo com tudo?
T: Acabaste de dizer que destruo tudo
L: Alisas sempre as rugas
é essa a tua maneira de reconciliar
e de destruir
T: Amo-te
L: Isso é o que todos dizem
T: Estamos a falar de sentimentos ou de arte?
L: Outro cliché»


Gerardjan Rijnders Buraco Negro. Campo das Letras, 1999, p. 166





Uma estalada

T: O resto é silêncio
L: Não. Sentimento.
T: Magoei-te?
L: Não saberias
T: Magoar?
L: Sentir
T: É a mesma coisa, para mim
L: Caralho
T: OK
     Cona
   
Gerardjan Rijnders Buraco Negro. Campo das Letras, 1999, p. 164

«T: Mas pode-se sonhar que se sonha
L: Também se pode dizer que se diz qualquer coisa
T: É pena
Pensava que estávamos a encetar uma conversa
 interessante
L: Não estás a dizer nada
Estás só a destruir coisas
T: É a mesma coisa
L: Sim, é tudo a mesma coisa:
é nada
Uma conversa interessante, um sonho, ou um buraco
negro
para o qual és sugado
Quero um bebé!»

Gerardjan Rijnders Buraco Negro. Campo das Letras, 1999, p. 163

«L: Bateste-me! Não me digas que já estás a esquecer!
T: Pediste-me! Não me digas que te esqueceste!»


Gerardjan Rijnders Buraco Negro. Campo das Letras, 1999, p. 157
«L: Se eu não soubesse como chorar
também seria muito infeliz»

Gerardjan Rijnders Buraco Negro. Campo das Letras, 1999, p. 149


«L: Estava a ler uma coisa que dizia
mulherzinhas mexem o chá com as maminhas
e a palavra política
parece dizer sempre policiar»


Gerardjan Rijnders Buraco Negro. Campo das Letras, 1999, p. 148
"O meu livreiro dá-me conselhos. Ele conhece-me, sabe o género de livros de que eu gosto. O meu marido, esse, lê coisas científicas. Não gosta de romances, lê coisas muito difíceis de compreender... oh, não é que não gostasse de ler... mas neste momento... durmo...
Sou alguém que tem medo - continua Alissa - medo de ficar abandonada, medo do futuro, medo de amar, medo da violência, do número, do desconhecido, da fome, da miséria, da verdade."

-"Destruir, Diz Ela"
- Marguerite Duras 
TEMPO APRAZADO
"Coloca uma palavra
no vale da minha nudez
e planta florestas de ambos os lados,
para que a minha boca
fique toda à sombra"


-"O Tempo Aprazado"
- Ingeborg Bachman


Silêncio

RICHARD
Não te compreendo

RITA 
Como se quisesses

Silêncio

RICHARD
Eu quero compreender-te

RITA
Tu nem sequer sabes o que isso quer dizer

Silêncio

RICHARD
Eu quero que tu me expliques
Aquilo que eu quero
Quando digo
''Eu quero compreender-te''


Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 131

«Atreve-te de uma vez a dizer algo
Atreve-te de uma vez a nada dizer»


Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 129

ramo de peónias

''No lamento sou feliz''


Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 108

língua de trapos

«RICHARD
Eu não te acuso
Tu partes do princípio
Que és acusada»

Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 99

«E se estivesses só
Mas não o sentisses»


Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 98

apoquentação doentia


«RICHARD
Não tenho lágrimas
Não faço ideia onde elas estão
Não saberia onde ir buscá-las
Falámos tanto que desapareceram»



Gerardjan Rijnders. Belo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 94

«Portanto, tu queres...

RITA
Eu quero que continues a falar!

RICHARD
Tu queres música

RITA
Quero que continues a falar

RICHARD
Tu queres música
Tu queres um enterro»


Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 91/2

«RICHARD
Good morning Vietnam!»

Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 86
«RICHARD
Um homem ama uma mulher
Ela ama-o
Mas ele não pode mais fodê-la
Só massajar
Então não dá vontade de chorar?

RITA
Sim
Isso
''Não pode mais fodê-la''
É nisso que deu então
Todos os anos que estiveram juntos

RICHARD
Sim

RITA
Sim?

RICHARD
Tenho frio

RITA
Muita gente tem frio



Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 82
«RITA
(...)
Conheces palavras tímidas?»


Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 76

apodrecendo


«RITA
É que vejo perfeitamente
Como aos poucos te deixas levar
Pela tua cólera»

Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 67

«RITA
Ela tem qualquer coisa de alegre.

RICHARD
Como qualquer cão.»




Gerardjan Rijnders. Belo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 64
«RICHARD
Pensar?
Masturbação?

RITA
Medo»

Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 60

Maria do Alívio fotografada por Agnès Varda, Póvoa de Varzim 1953



RITA

Acordei
Como se toda a noite
Tivesse chorado
Não consigo lembrar-me de nada
Nenhum sonho nenhum farrapo nenhuma imagem
Mas foi como se eu
Tivesse chorado toda a noite
Deve ter sido o teu sonho


Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 59

comoventemente

terça-feira, 10 de março de 2015


«RITA
Uma verdadeira tragédia?

RICHARD
Ou uma tragédia representada
As catástrofes possuem frequentemente uma grande
        dose de beleza?

RITA
Verdadeiras catástrofes?

RITA
A indiferença ajuda.

RICHARD
Porque é que eu diria uma coisa dessas?

RITA
Mas tu não o dizes
Tu dizes isso no palco
Ou querias verdadeiramente dizê-lo?»


Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 36

RICHARD
Mas isso é um filme
Ou imagina
Nós não somos nós
Nós não estamos aqui
Mas num palco
Actores
E eu digo-te 
Tu não tens uma cona
Tu tens um extintor


Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 35


RICHARD

Não
A impotência tem qualquer coisa de belo
Nós dizemos ''merda''
Eles dizem ''Heil Hitler''
Nós chamamos a isso ''vulnerável''
Eles ''Medo''
Um hotel vazio e belo


Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 33

RITA

Isso é inveja
Ou impotência
Depressão
A inocência tão-pouco
A inocência não pode ser feia

RICHARD

Muitas vezes estúpida e ensebada
De se calcar aos pés
Freiras amargas
Bebés ranhosos
A compaixão nada tem a ver com o belo.

RITA

A compaixão não pode ser feia.

Gerardjan RijndersBelo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 28/9

''uma paz de papel de parede com flores.''

Gerardjan Rijnders. Belo? Buraco Negro. Câncer. Campo das Letras, 1999, p. 24

Uma girl next door...


démodés

ALCOVITEIRA

«Leva-a, Boult; faz-lhe o que te parecer: quebra-lhe o vidro da virgindade, e torna o resto maleável.»



William Shakespeare. Péricles Príncipe de Tiro. Trad e revisto por João Grave. Lello & Irmão Editores, Porto, 1976., p. 139
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