segunda-feira, 25 de novembro de 2013


domingo, 24 de novembro de 2013

argúcia

nome feminino

 1. agudeza de espírito; finura de observação
2. raciocínio capcioso
3. subtileza
4. chiste

(Do latim argutĭa-, «idem»)
«(...), porque só agora o morto começa a viver, pois que a vida neste mundo não passa de uma espécie de morte.»


Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 54
«Como todos os que se dedicam à filosofia têm em geral pouca sorte na vida, e em especial na sua progenitura, parece-me que, deste modo, a Natureza, previdentemente, impede a propagação desta praga - a sabedoria.»


Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 47
«As mulheres não me poderão levar a mal que lhes atribua a loucura, a mim, que também sou, além de mulher, a própria Loucura. Vendo bem as coisas, é o dom da loucura que lhes permite serem, em muitos aspectos, mais felizes do que os homens. Têm sobre eles, em primeiro lugar, a vantagem da beleza, que põem, com razão, acima de tudo e que lhes serve para tiranizar os próprios tiranos. O homem tem as formas rudes, a pele rugosa, a barba selvagem, que o envelhece, e que, ao mesmo tempo, é sinal de sabedoria; as mulheres, com a face macia, a voz doce, a pele lisa, têm a favor os atributos da juventude eterna. Por isso, que procurarão elas na vida, senão agradar aos homens o mais possível? Não será essa a razão de tantos vestidos, pinturas, banhos, penteados, pomadas e perfumes, de toda a arte de brincar ou disfarçar o rosto, os olhos e a pele? E não será a Loucura que melhor lhes entrega os homens? Eles prometem-lhes tudo, e em troca de quê? De prazer. Mas elas só o conseguem graças à Loucura. Isto é evidente, se pensarmos em todas as parvoíces que um homem diz, nas loucuras que pratica, quando procura beneficiar das graças de uma mulher.
   Sabeis agora qual é o primeiro e o principal prazer da vida, e qual a sua origem.»




Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 37

Harpócrates

Deus do silêncio, representado com um dedo sobre os lábios.


in Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 35

cordace

Dança grotesca, por vezes obscena, que precede a representação das comédias antigas.



Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 35

Cupido

Deus do amor, filho de Vénus, deus representado sempre como uma criança.


Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 30

ditado popular

«Só a Loucura conserva a juventude e afasta a velhice importuna.»


Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 30

Rio Lete

«Rio do Inferno, a que chamavam «rio do esquecimento», pois as almas dos mortos, ao beberem as sua águas, esqueciam o seu passado.»


Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 27
«Quanto menos prudência e sabedoria maior a felicidade.»

Sófocles

VI.

 
« - Assim, imitaríamos os retóricos do nosso tempo, que se julgam pequenos deuses, por utilizarem duas línguas, como as sanguessugas, e se maravilharem com a habilidade de misturar no seu latim algumas palavras gregas, do que resulta um mosaico nem sempre muito a propósito. Se por acaso lhes faltam os termos estrangeiros, vão buscar os pergaminhos bolorentos quatro ou cinco fórmulas arcaicas, que lançam como poeira aos olhos do leitor, para que os que compreendem se deleitem e os ignorantes ainda mais os admirem. Com efeito, as pessoas admiram com prazer maior o que menos compreendem, pois a sua vaidade está nisso interessada. Assim, riem, aplaudem, abanam as orelhas como os burros, para mostrarem deste modo que compreenderam perfeitamente: «É assim mesmo, é tal e qual!» Mas voltando ao meu assunto...»



Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 19/20

EM SUMA NÃO POSSUO PARA EXPRIMIR A MINHA VIDA

 Em suma, não possuo para exprimir a minha vida senão a minha morte.
E, depois de tudo, ao cabo da natureza ordenada e do pardal em bloco, adormeço, familiarmente, com minha sombra.
E, ao descer do acto venerável e do outro gemido, pouso a pensar na marcha impávida do tempo.
...Porquê a corda, então, se o ar é tão simples? Para quê a corrente, se existe o ferro por si só?
    César Vallejo, o acento com que amas, o verbo com que escreves, a brisa com que ouves, sabem de tu somente pela tua garganta.
     César Vallejo, prostra-te, por isso, com indistinto orgulho, com um tálamo de áspides ornamentais e de hexagonais ecos.
Restitui-te ao favo corpóreo, à beleza; perfuma as rolhas em flor, fecha ambas as grutas ao furioso antropóide; atende, enfim, o teu antipático veado; tem pena de ti.
Que não há coisa mais densa que o ódio na voz passiva, nem úbere mais mísero que o amor!
Que já não posso andar, a não ser em duas harpas!
Que já não me conheces, senão porque te sigo instrumental, prolixamente!
Que já não dou vermes, mas breves!
Que já não te envolvo tanto, que meio que te aguças!
Que já levo uns tímidos legumes e outros ferozes!
Pois o afecto que se quebra de noite em meus brônquios, trouxeram-no uns ocultos deões durante o dia e, se amanheço pálido, é pela minha obra; e, se anoiteço vermelho, por meu obreiro. Isto explica, igualmente, estes meus cansaços e estes despojos, meus famosos tios. Isto explica, enfim, esta lágrima que brindo pela ventura dos homens.
César Vallejo, parece mentira que assim dormem teus parentes,
sabendo que ando cativo,
sabendo que jazes livre!
Vistosa e infame sorte!
César Vallejo, odeio-te com ternura!

25 Nov. 1937
 
 
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 131/2
 
«seria segunda-feira, talvez, vir-me-ia a ideia ao coração
o pranto ao cérebro
e à garganta uma ânsia medonha de afogar
o que sinto agora,
como um homem que sou e que tenho sofrido.»
 
21 Nov. 1937
 
 
 
 
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 129
« a fim de não gritar ou de chorar, já que os olhos
possuem, independentes de cada qual, suas pobrezas,
quero dizer, o seu ofício, alguma coisa
que resvala da alma e cai à alma.»
 
 
 
 
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 129
«Pobre macaco!...Dá-me a pata!...Não. A mão, disse eu.
Saúde! E sofre!»


César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 127

''Sofres, padeces e voltas a sofrer horrivelmente,''

''sofres de mim, da minha sagacidade sóbria, tácita.''

PALMAS E GUITARRA

Agora, aqui entre nós dois,
vem comigo, traz o teu corpo pela mão
e ceemos juntos e passemos um instante a vida
a duas vidas e dando uma parte à nossa morte.
Agora, vem contigo, faz o favor
de te queixar em meu nome e à luz da noite tenebrosa
em que trazes tua alma pela mão
e nas pontas dos pés fugimos de nós mesmos.
 
Vem a mim, sim, e a ti, sim,
com passo par, ver-nos os dois com passo ímpar,
marcar o passo da despedida.
Até quando voltarmos! Até à volta!
Até quando lermos, ignorantes!
Até quando voltarmos, despeçamo-nos!
 
Que me importam as espingardas?,
escuta-me.
Escuta-me -, que me importam,
se a bala circula já no nível da minha assinatura?
Que te importam as balas,
se a espingarda fumega já em teu odor?
Hoje mesmo pesaremos
nos braços de um cego a nossa estrela
e, depois de me teres cantado, choraremos.
Hoje mesmo, formosa, com o teu passo par
e a tua confiança a que chegou o meu alarme,
sairemos de nós próprios, dois a dois.
Até que sejamos cegos!
Até
que choremos de tanto voltar!
 
 
Agora,
entre nós, traz
a tua doce personagem pela mão
e ceemos juntos e passemos um instante a vida
e a duas vidas e dando uma parte à nossa morte.
Agora, vem contigo, faz o favor
de cantar
e tocar em tua alma, e bater palmas.
Até quando voltarmos! Até esse dia!
Até quando partimos, despeçamo-nos!
 
8 Nov. 1937
 
 
 
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 124/5
«Pois como resultado
do sofrimento, há alguns
que nascem, outros crescem, outros morrem,
e outros que nascem e não morrem, outros
que sem ter nascido morrem, e outros
que não nascem nem morrem (a maioria).»
 
 
 
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 118

Babe, I'm Gonna Leave You




Babe, i'm gonna leave you
Tell you when i'm gonna leave you
Leave you when ol'summer time,
Summer comes a-rolling
Leave you when ol'summer comes along
Babe, the highway is a-callin'
The old highway's a-callin'
Callin'me to travel on, travel on out the westward
Callin'me to travel on alone
Babe,i'd like to stay here
You know i'd really like to stay here
My feet start goin'down,goin'down the highway
My feet start goin'down, goin'down alone
Babe,i got to ramble
You know i got to ramble
My feet start goin'down and i got to follow
My feet start goin'down, and i got to go
«Estamos nus? Temos os nossos ossos e os nossos órgãos, a nossa pele e a nossa carne. Há uma fita de sangue a prender o teu cabelo. Não tenhas medo. Tens um tecido de veias à volta das coxas. O mundo passou numa carga sobre eles, o vento caiu em nada, soprando os frutos da batalha sob a lua. Peter ouviu as canções dos pássaros, mas não eram como as que ouvira aos pássaros, no parapeito do quarto, lançar das gargantas. Os pássaros estavam cegos.»


Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 58

boca parda

''Vem sentar-te e lê para mim, Rhianon.''

   «As mãos estavam cansadas, apesar de toda a noite terem repousado em cima dos lençóis da cama e ele só as ter levado à boca e ao seu coração revolto.»


Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 51
 



Once upon a time you dressed so fine
 You threw the bums a dime in your prime, didn’t you?
 People’d call, say, “Beware doll, you’re bound to fall”
You thought they were all kiddin’ you
 You used to laugh about
 Everybody that was hangin’ out
 Now you don’t talk so loud
 Now you don’t seem so proud
 About having to be scrounging for your next meal


How does it feel
 How does it feel
 To be without a home
 Like a complete unknown
 Like a rolling stone?

You’ve gone to the finest school all right, Miss Lonely
 But you know you only used to get juiced in it
 And nobody has ever taught you how to live on the street
 And now you find out you’re gonna have to get used to it
 You said you’d never compromise
 With the mystery tramp, but now you realize
 He’s not selling any alibis
 As you stare into the vacuum of his eyes
 And ask him do you want to make a deal?


How does it feel
 How does it feel
 To be on your own
 With no direction home
 Like a complete unknown
 Like a rolling stone?


You never turned around to see the frowns on the jugglers and the clowns
 When they all come down and did tricks for you
 You never understood that it ain’t no good
 You shouldn’t let other people get your kicks for you
 You used to ride on the chrome horse with your diplomat
 Who carried on his shoulder a Siamese cat
 Ain’t it hard when you discover that
 He really wasn’t where it’s at
 After he took from you everything he could steal


How does it feel
 How does it feel
 To be on your own
 With no direction home
 Like a complete unknown
 Like a rolling stone?


Princess on the steeple and all the pretty people
 They’re drinkin’, thinkin’ that they got it made
 Exchanging all kinds of precious gifts and things
 But you’d better lift your diamond ring, you’d better pawn it babe
 You used to be so amused
 At Napoleon in rags and the language that he used
 Go to him now, he calls you, you can’t refuse
 When you got nothing, you got nothing to lose
 You’re invisible now, you got no secrets to conceal


How does it feel
 How does it feel
 To be on your own
 With no direction home
 Like a complete unknown
 Like a rolling stone?
«Lá fora na noite andavam à procura dum louco. Tinha os olhos verdes, diziam, e tinha desposado uma senhora. Diziam que lhe tinha cortado os lábios porque sorria aos homens. Levaram-no, mas roubou a faca da cozinha e retalhou o guarda e evadiu-se para os vales brancos.»


Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 46
«Se achasse o sono, o sono seria uma rapariga. Nas duas últimas noites, ao caminhar ou correr pela região deserta, tinha sonhado com aquele encontro. «Deita-te», diria ela, e dar-lhe-ia do seu vestido para ele se deitar, estendendo-se ao seu lado. Tinha ele sonhado, e as vergônteas sob os pés fugitivos feito um ruído como o roçagar do vestido dela, quando o inimigo gritou nos campos.»


Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 45

''Não compreendia o frio no seu coração''

«Achou que era uma mulher misteriosa que gostava do escuro porque era escuro. Era velho demais para questionar os segredos da escuridão, e agora, com o fato preto rasgado e molhado e as mãos finas envoltas nas ligaduras da estranha mulher, sentiu-se mais velho do que nunca.»



Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p. 37

terça-feira, 19 de novembro de 2013


C'est la vie, mort de la Mort!

César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 105
«sonhaste esta noite que vivias
de nada e de tudo morrias.»


César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 103
«Compreendo sem esforço
que o homem fica, às vezes, pensativo
como a querer chorar

...

Compreendo
que ele sabe que lhe quero,
que o odeio com afecto e, resumindo, me é indiferente...»




César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 92

Perdeu o rosto no amor

 «Existe um mutilado, não de um combatente mas de um abraço, não da guerra mas da paz. Perdeu o rosto no amor e não no ódio.»


César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 84




You must leave now, take what you need, you think will last
 But whatever you wish to keep, you better grab it fast
 Yonder stands your orphan with his gun
 Crying like a fire in the sun
 Look out the saints are comin’ through
 And it’s all over now, Baby Blue

The highway is for gamblers, better use your sense
 Take what you have gathered from coincidence
 The empty-handed painter from your streets
 Is drawing crazy patterns on your sheets
 This sky, too, is folding under you
 And it’s all over now, Baby Blue

All your seasick sailors, they are rowing home
 All your reindeer armies, are all going home
 The lover who just walked out your door
 Has taken all his blankets from the floor
 The carpet, too, is moving under you
 And it’s all over now, Baby Blue

Leave your stepping stones behind, something calls for you
 Forget the dead you’ve left, they will not follow you
 The vagabond who’s rapping at your door
 Is standing in the clothes that you once wore
 Strike another match, go start anew
 And it’s all over now, Baby Blue

- JÁ NÃO VIVE NINGUÉM NA CASA - DIZES-ME -


«- Já não vive ninguém na casa - dizes-me -; todos partiram. A sala, o quarto, o pátio jazem despovoados. Já não resta ninguém, pois todos partiram.
   E eu digo-te: Quando alguém parte, alguém fica. O ponto por onde passou um homem, já não está só. Unicamente está só, de solidão humana, o lugar por onde nenhum homem passou. As casas novas estão mais mortas que as velhas, porque as suas paredes são de pedra ou de aço, mas não de homens. Uma casa vem ao mundo não quando acabam de edificá-la, mas quando começam a habitá-la. Uma casa vive unicamente de homens, como um sepulcro. Daqui essa irresistível semelhança que há entre uma casa e um sepulcro. Somente que a casa se nutre da vida de um homem, enquanto que o sepulcro se nutre da morte do homem. Por isso a primeira está de pé, enquanto o segundo está deitado.
  Todos partiram da casa, na realidade, mas todos na verdade ficaram. E não é a recordação deles o que fica, mas eles mesmos. E não é tão-pouco que eles fiquem na casa, mas que continuam pela casa. As funções e os actos partem da casa, de comboio ou de avião ou a cavalo, a pé ou arrastando-se. O que continua na casa é o órgão, o agente em gerúndio e em círculo. Os passos partiram, os beijos, os perdões, os crimes. O que continua na casa é o pé, os lábios, os olhos, o coração. As negações e as afirmações, o bem e o mal, dispersaram-se. O que continua na casa é o sujeito do acto.»





César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 83

VOU FALAR DA ESPERANÇA

 
   Eu não sofro esta dor como César Vallejo. Não padeço agora como artista, como homem nem como simples ser vivo sequer. Eu não sofro esta dor como católico, como maometano nem como ateu. Hoje sofro somente. Se não me chamasse César Vallejo, também sofreria esta mesma dor. Se não fosse artista, também a sofreria. Se não fosse homem nem ser vivo sequer, também a sofreria. Se não fosse católico, nem ateu nem maometano, também a sofreria. Hoje sofro deste mais fundo. Hoje sofro somente.
  Padeço agora sem explicações. A minha dor é tão funda que não teve sequer causa nem carece de causa. Qual seria a sua causa? Onde está aquilo tão importante que deixasse de ser a sua causa? Nada é a sua causa; nada pôde deixar de ser a sua causa. Para que nasceu esta dor, por si mesma? Minha dor é do vento do norte e do vento do sul, como esses ovos neutros que algumas aves estranhas põem do vento. Se tivesse morrido a minha noiva, a minha dor seria igual. Se a vida fosse, enfim, de modo diferente, a minha dor seria igual. Hoje sofro desde mais alto. Hoje sofro somente.
   Olho a dor do faminto e vejo que a sua fome anda tão longe do meu sofrimento, que por ficar em jejum até morrer, sairia sempre da minha sepultura uma fibra de erva, pelo menos. Do mesmo modo, o enamorado. Que sangue o seu mais engendrado, para o meu sem fonte sem consumo!
   Eu cria até agora que todas as coisas do universo eram, inevitavelmente, pais ou filhos. Mas eis que a minha dor de hoje não é pai nem filho. Falta-lhe dorso para anoitecer, tanto como lhe sobra peito para amanhecer, e se a pusessem num quarto escuro não daria à luz e se a pusessem num quarto luminoso não daria sombra. Hoje sofro, suceda o que suceder. Hoje sofro somente.»





César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 79/80
«(...); ali o silêncio batia como um coração humano. E ao sentar-se sob os montes cruéis, ouviu uma voz que estava nele a gritar: «Porque me trouxeste aqui?»



Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p.28

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Joan Baez & Bob Dylan


 
«Rezei à arvore», disse a criança.
 «Reza sempre a uma árvore», disse o jardineiro, pensando no Calvário e no Éden.
 «Rezo à árvore todas as noites.»
 «Reza a uma árvore.»
 O arame escorregou nos dentes.
«Eu rezo àquela árvore.»
O arame rebentou.
 
 
(...)
 
«Deus cresce em lugares estranhos», disse o velho. «As árvores d'Ele vêm ficar a lugares estranhos.»
 À medida que ele ia desenrolando a história dos doze passos da cruz, a árvore acenou os ramos à criança. Uma voz de apóstolo elevou-se dos pulmões poluídos.
  Então içaram-no a uma árvore e espetaram-lhe cravos na barriga e nos pés.
  Havia o sangue do sol do meio-dia no tronco da antiga, manchando a casca.»



Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p.24/5

desasseio

«Estendeu a mão e acariciou o escuro, pensando sentir uma cabeça seca e de veludo deslizar sob os dedos e alojar-se, como nevoeiro, nas unhas. Mas nada havia. Abriu a porta da frente e as sombras escaparam para o jardim.»



Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa,  p.22

mondar

conjugação
verbo transitivo


1. arrancar (ervas nocivas) de junto dos cereais; limpar
2. cortar (ramos secos ou desnecessários); desramar
3. desbastar (frutos ou plantas, quando, pela demasia, se prejudicam mutuamente)
4. figurado expurgar de tudo o que é supérfluo ou prejudicial
5. figurado corrigir

verbo intransitivo

fazer a monda

(Do latim mundāre, «limpar; purificar»)
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