domingo, 21 de maio de 2023
Ana Lua Caiano - Se Dançar É Só Depois
sábado, 20 de maio de 2023
135
A morte para os romanos era um homem
mascarado de lobo, um jogo tenebroso
entre o predador e a sua predadora.
Diz Ovídeo (para quem tudo é caça)
que o homem persegue a mulher, o deus
a ninfa, o cão a lebre: perseguem vestígios
que escapam a goelas e armadilhas.
De toda essa devastação sobra apenas
a figura do vento, a sua inconstante respiração.
A ninfa envelhece, a lebre escapa ao dente
e o homem violador fica subitamente
sem tesão. A morte é uma loba acossada,
uma caçadora, uma escrava e detentora
do seu eterno pó. Valha-nos a memória
dos frescos de Pompeia.
''Amar é aceitar o Outro tal como ele é: frágil e angustiado.''
Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 153
85
Agora que me dedico ao ócio
não tenho tempo para nada.
Vou destruindo pouco a pouco
os restos da minha bagagem.
*
(....)
* ócio no sentido romano da palavra:
o abandono das ocupações públicas.
quinta-feira, 18 de maio de 2023
43
Do mundo não conheço apenas os figos
e o mágico rubor das raparigas -
embalei nos braços um pai já morto
e senti a febre dos filhos
no meu dorso.
34
Toco-te nos mamilos, vão
voar. Lambo-os e já
se desfazem. Tomo-os
nos lábios, duas gotas de terra são.
Mordo-te. Mordes-me - e levanta-se
um fogo
que nos vai devastar.
Hamilton Leithauser + Rostam - A 1000 Times (Official Video)
I've had that dream a thousand times
A thousand times, a thousand times
I've had that dream a thousand times
I walked from noon until the night
I changed my crowd, I ditched my tie
I watched the sparks fly off the fire
I found your house, I didn't even try
They'd closed the shutters, they'd pulled the blinds
My eyes were red, the streets were bright
Those ancient years were black and white
If I had your number, I'd call you tomorrow
If my eyes were open, I'd be kicking the doors in
But all that I have is this old dream I've always had
I've had that dream a thousand times
A thousand times, a thousand times
I've had that dream a thousand times
I walked from noon through the night
I changed my crowd, I ditched my tie
I watched the sparks fly off the fire
I found your old house, I didn't even try
They'd closed the shutters, they'd pulled the blinds
I had a dream that you were mine
I've had that dream a thousand times
My eyes are still open, the curtains are closing
But all that I have is this old dream I must have had
I've had that dream a thousand times
A thousand times, a thousand times
I've had that dream a thousand times
A thousand times, a thousand times
I've had that dream a thousand times
A thousand times, a thousand times
I've had that dream a thousand times
22
E toda te abres
como se fosse
por acidente.
E em ti mergulho
como quem descobre
uma ilha líquida.
domingo, 14 de maio de 2023
sábado, 13 de maio de 2023
2
Amo-te
porque a palavra correu entre a tua pele
e a minha. Amo-te porque nos olhámos
e me engoliste no teu olhar. Amo-te
porque ouvi a febre, esse todo em ti
inesgotável, essa humidade
que me devolve a seiva
mais antiga. Amo-te
porque me dás tudo o que me falta.
E amo-te porque me revelas
em cada momento
que precisas de mim. E agora sou eu
que não sei viver sem a tua constante
confirmação
de que o paraíso existe.
Casimiro de Brito. Euforia. Razões Poéticas, 2019., p. 8
''Subitamente, é demasiado tarde.''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 115
''chora os teus mortos através do mundo''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 94
''frio rosto de mármore''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 82
quinta-feira, 11 de maio de 2023
''quando o crepúsculo traz a sua dor''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 58
''um rosto de vidro onde bate a lua,''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 57
«Chamaste por mim em vão,
e como esse rei de rosto triste, também
choraste em vão.
Estavas só, sempre estiveste só,
E ao recordares uma orquídia,
um cântaro,
as mesas com toalhas de renda e os lírios,
assomaram aos teus olhos todas as lágrimas.»
''entre o pó e as hortênsias''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 51
''tudo amadurece deslumbradamente no Sul.''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 51
BENDITO SEJA
Bendito seja o fruto do teu ventre,
minha mãe
minha casa de silêncio,
erguida sobre as montanhas.
Benditos eram os dedais da tua arte, as
agulhas do teu lume,
quando bordavas com fios de prata e dor
os xailes de orações murmuradas,
de vagas entoações de búzios.
Ainda respiro na tua água,
a tua água muito de dentro,
ainda chamo por ti quando os lobos me
procuravam,
quando o terror bate nos olhos dos animais
puros.
Bendita seja a morada nossa de cada dia
e o belo pássaro do vento
que canta pela última vez nos ramos
da árvore despida.
Bendita sejas para sempre,
minha mãe das terras latas,
minha senhora de irremediável luto.
« meu amor que acendes na lua o teu rosto ferido»
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 38
terça-feira, 9 de maio de 2023
SOU APENAS UM HOMEM
«Sou apenas um homem entre as lápides.
E, quando os mortos murmuram o meu nome,
digo simplesmente que estou aqui,
acendendo as velas,
rezando outra vez, com palavras humildes,
nos altares destruídos.»
''Dói que seja assim''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 33
''calem os punhais do homicida''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 29
''cactos floridos''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 29
«Era uma vida de açucenas desfeitas.
E ela ia e vinha, sonambulamente, apagando as
estrelas.
Tinha,
na boca entreaberta,
o travo amargo de laranjas doentes,
dos licores de ervas muito verdes que colhera na
infância dos países do mal.
Tinha medo.»
''em cada lenço de dizer adeus''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 17
'' com o rosário de sal das noivas eternas''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 17
''cofre de nostalgia e de ouro''
José Agostinho Baptista. Esta Voz É Quase o Vento. Assírio & Alvim. 2ª Edição , Junho 2006., p. 15
segunda-feira, 8 de maio de 2023
domingo, 7 de maio de 2023
sexta-feira, 5 de maio de 2023
quinta-feira, 4 de maio de 2023
''mármore destinado a cemitérios''
Louise Glück. Uma Vida de Aldeia. Tradução de Frederico Pedreira. Relógio D'Água. 2021., p. 143
«Azul no Verão. Branco quando cai a neve.»
Louise Glück. Uma Vida de Aldeia. Tradução de Frederico Pedreira. Relógio D'Água. 2021., p. 129
« o cheiro de demasiadas ilusões»
Louise Glück. Uma Vida de Aldeia. Tradução de Frederico Pedreira. Relógio D'Água. 2021., p. 129
SOLITUDE
Está muito escuro, hoje; através da chuva,
a montanha deixa de ser visível. O único som
é o da chuva, arrastando a vida para debaixo da terra.
E com a chuva vem o frio.
Esta noite não haverá Lua, não haverá estrelas.
O vento levantou-se durante a noite;
fustigou o trigo toda a manhã -
parou ao meio-dia. Mas a tempestade continuou,
encharcando os campos secos, inundando-os a seguir -
A terra desapareceu.
Não há nada para ver, só a chuva
a reluzir no escuro das vidraças.
Este é o lugar de repouso, onde nada mexe -
Agora voltamos ao que éramos -
animais a viver na escuridão,
desprovidos de linguagem ou de visão -
Nada prova que estou viva.
Há apenas a chuva, a chuva é infindável.
«Sob o silêncio, o som do mar.»
Louise Glück. Uma Vida de Aldeia. Tradução de Frederico Pedreira. Relógio D'Água. 2021., p. 103
«Ele nunca recorre a palavras. Para ele, as palavras são para planear
coisas,
para tratar de negócios. Nunca para a zanga. Nunca para a ternura.
Ela acaricia-lhe as costas. Pousa o rosto nelas,
embora isso seja como encostar o rosto a uma parede.
E o silêncio entre os dois é muito antigo: diz
são estes os limites.»
(...)
Louise Glück. Uma Vida de Aldeia. Tradução de Frederico Pedreira. Relógio D'Água. 2021., p. 101