segunda-feira, 30 de março de 2020

Vírus: tudo o que é sólido se desfaz no ar

''Existe um debate nas ciências sociais sobre se a verdade e a qualidade das instituições de uma dada sociedade se conhecem melhor em situações de normalidade, de funcionamento corrente, ou em situações excepcionais, de crise. Talvez os dois tipos de situação sejam igualmente indutores de conhecimento, mas certamente permitem-nos conhecer ou relevar coisas diferentes. Que potenciais conhecimentos decorrem da pandemia do coronavírus?

A normalidade da excepção. A actual pandemia não é uma situação de crise claramente contraposta a uma situação de normalidade. Desde a década de 1980 – à medida que o neoliberalismo se foi impondo como a versão dominante do capitalismo e este se foi sujeitando mais e mais à lógica do sector financeiro – o mundo tem vivido em permanente estado de crise. Uma situação duplamente anómala. Por um lado, a ideia de crise permanente é um oximoro, já que, no sentido etimológico, a crise é por natureza excepcional e passageira e constitui a oportunidade para ser superada e dar origem a um melhor estado de coisas. Por outro lado, quando a crise é passageira, ela deve ser explicada pelos factores que a provocam. Mas quando se torna permanente, a crise transforma-se na causa que explica tudo o resto. Por exemplo, a crise financeira permanente é utilizada para explicar os cortes nas políticas sociais (saúde, educação, previdência social) ou a degradação dos salários. E assim impede que se pergunte pelas verdadeiras causas da crise. O objectivo da crise permanente é não ser resolvida. Mas qual é o objectivo deste objectivo? Basicamente, são dois os objectivos: legitimar a escandalosa concentração de riqueza e impedir que se tomem medidas eficazes para impedir a iminente catástrofe ecológica. Assim temos vivido nos últimos 40 anos. Por isso, a pandemia vem apenas agravar uma situação de crise a que a população mundial tem vindo a ser sujeita. Daí a sua específica periculosidade. Em muitos países, os serviços públicos de saúde estavam há dez ou 20 anos mais bem preparados para enfrentar a pandemia do que estão hoje.
A elasticidade do social. Em cada época histórica, os modos dominantes de viver (trabalho, consumo, lazer, convivência) e de antecipar ou adiar a morte são relativamente rígidos e parecem decorrer de regras escritas na pedra da natureza humana. É verdade que eles se vão alterando paulatinamente, mas as mudanças passam quase sempre despercebidas. A irrupção de uma pandemia não se compagina com tal tipo de mudanças. Exige mudanças drásticas. E, de repente, elas tornam-se possíveis como se sempre o tivessem sido. Torna-se possível ficar em casa e voltar a ter tempo para ler um livro e passar mais tempo com os filhos, consumir menos, dispensar o vício de passar o tempo nos centros comerciais, olhando para o que está à venda e esquecendo tudo o que se quer mas só se pode obter por outros meios que não a compra. A ideia conservadora de que não há alternativa ao modo de vida imposto pelo hipercapitalismo em que vivemos cai por terra. Mostra-se que só não há alternativas porque o sistema político democrático foi levado a deixar de discutir as alternativas. Como foram expulsas do sistema político, as alternativas irão entrar cada vez mais frequentemente na vida dos cidadãos pela porta dos fundos das crises pandémicas, dos desastres ambientais e dos colapsos financeiros. Ou seja, as alternativas voltarão da pior maneira possível.
A fragilidade do humano. A rigidez aparente das soluções sociais cria nas classes que tiram mais proveito delas um estranho sentimento de segurança. É certo que sobra sempre alguma insegurança, mas há meios e recursos para os minimizar, sejam eles os cuidados médicos, as apólices de seguro, os serviços de empresas de segurança, a terapia psicológica, as academias de ginástica. Este sentimento de segurança combina-se com o de arrogância e até de condenação para com todos aqueles que se sentem vitimizados pelas mesmas soluções sociais. O surto viral interrompe este senso comum e evapora a segurança de um dia para o outro. Sabemos que a pandemia não é cega e tem alvos privilegiados, mas mesmo assim cria-se com ela uma consciência de comunhão planetária, de algum modo democrática. A etimologia do termo pandemia diz isso mesmo: todo o povo. A tragédia é que neste caso a melhor maneira de sermos solidários uns com os outros é isolarmo-nos uns dos outros e nem sequer nos tocarmos. É uma estranha comunhão de destinos. Não serão possíveis outras?
Os fins não justificam os meiosO abrandamento da actividade económica, sobretudo no maior e mais dinâmico país do mundo, tem óbvias consequências negativas. Mas tem, por outro lado, algumas consequências positivas. Por exemplo, a diminuição da poluição atmosférica. Um especialista da qualidade do ar da agência especial dos EUA (NASA) afirmou que nunca se tinha visto uma quebra tão dramática da poluição numa área tão vasta. Quererá isto dizer que no início do século XXI a única maneira de evitar a cada vez mais iminente catástrofe ecológica é por via da destruição massiva de vida humana? Teremos perdido a imaginação preventiva e a capacidade política para a pôr em prática?
É também conhecido que, para controlar eficazmente a pandemia, a China accionou métodos de repressão e de vigilância particularmente rigorosos. É cada vez mais evidente que as medidas foram eficazes. Acontece que a China, por muitos méritos que tenha, não tem o de ser um país democrático. É muito questionável que tais medidas pudessem ser accionadas ou accionadas com igual eficácia num país democrático. Quer isto dizer que a democracia carece de capacidade política para responder a emergências? Pelo contrário, The Economist mostrava no início deste ano que as epidemias tendem a ser menos letais em países democráticos devido à livre circulação de informação. Mas como as democracias estão cada vez mais vulneráveis às fake news, teremos de imaginar soluções democráticas assentes na democracia participativa ao nível dos bairros e das comunidades e na educação cívica orientada para a solidariedade e cooperação, e não para o empreendedorismo e competitividade a todo custo.
A guerra de que é feita a paz. O modo como foi inicialmente construída a narrativa da pandemia nos media ocidentais tornou evidente a vontade de demonizar a China. As más condições higiénicas nos mercados chineses e os estranhos hábitos alimentares dos chineses (primitivismo insinuado) estariam na origem do mal. Subliminarmente, o público mundial era alertado para o perigo de a China, hoje a segunda economia do mundo, vir a dominar o mundo. Se a China era incapaz de prevenir tamanho dano para a saúde mundial e, além disso, incapaz de o superar eficazmente, como confiar na tecnologia do futuro proposta pela China? Mas terá o vírus nascido na China? A verdade é que, segundo a Organização Mundial da Saúde, a origem do vírus ainda não está determinada. É, por isso, irresponsável que os meios oficiais dos EUA falem do “vírus estrangeiro” ou mesmo do “coronavírus chinês”, tanto mais que só em países com bons sistemas públicos de saúde (os EUA não são um deles) é possível fazer testes gratuitos e determinar com exactidão os tipos de influenza ocorridos nos últimos meses. Do que sabemos com certeza é que, muito para além do coronavírus, há uma guerra comercial entre a China e os EUA, uma guerra sem quartel que, como tudo leva a crer, terá de terminar com um vencedor e um vencido. Do ponto de vista dos EUA, é urgente neutralizar a liderança da China em quatro áreas: o fabrico de telemóveis, as telecomunicações da quinta geração (a inteligência artificial), os automóveis eléctricos e as energias renováveis.
A sociologia das ausências. Uma pandemia desta dimensão causa justificadamente comoção mundial. Apesar de se justificar a dramatização é bom ter sempre presente as sombras que a visibilidade vai criando. Por exemplo, os Médicos Sem Fronteiras estão a alertar para a extrema vulnerabilidade ao vírus por parte dos muitos milhares de refugiados e imigrantes detidos nos campos de internamento na Grécia. Num desses campos (campo de Moria) há uma torneira de água para 1300 pessoas e falta sabão. Os internados não podem viver senão colados uns aos outros. Famílias de cinco ou seis pessoas dormem num espaço com menos de três metros quadrados. Isto também é Europa – a Europa invisível.''

Artigo disponível aqui.
"Queima a tua língua.
Bebe o sal que lavre
a tua garganta
as ervas que cresceram
desde o último nome
e fala. Agora que não consegues
fala
com um silêncio que desperte o mundo."

Ada Salas em O lugar da derrota e ilustração de Sara Belo

Em 1918 o tradicional “Retrato de Família” ganhou elementos novos: máscaras para todos os membros, incluindo cães e gatos. Foto de domínio público
Alexandre O’Neill avisava em poema: “O medo vai ter tudo”.
"Mais vale ser um cão em tempos de paz do que um homem em tempos de caos"

 (velho provérbio chinês)

domingo, 29 de março de 2020

''pruridos morais''

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 125

''raciocino sofrivelmente''

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 118

''Lucros colossais''


Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 117
«A universalidade do acesso às cunhas é das coisas mais antidemocráticas que há.»

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 113

Peste Negra
«O nepotismo é um bocadinho repugnante, mas quando não nos contempla é absolutamente intolerável.''

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 112

''embaraço linguístico''

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 99

"Yersinia pestis"

bactéria da ''peste negra''

Rota da Seda

População de roedores

Febre Negra, no ano 1343

Saigon Execution, Eddie Adams



I Started a Joke

I started a joke which started the whole world crying
But I didn't see that the joke was on me oh no
I started to cry which started the whole world laughing
Oh If I'd only seen that the joke was on me
I looked at the skies running my hands over my eyes
And I fell out of bed hurting my head from things that I said
'Till I finally died which started the whole world living
Oh if I'd only seen that the joke was on me
I looked at the skies running my hands over my eyes
And I fell out of bed hurting my head from things that I said
'Till I finally died which started the whole world living
Oh if I'd only seen that the joke was on me
Oh no that the joke was on me

Comboio nocturno

film noir


colar de pedras frágeis

''Os outros que façam a guerra.
Tu, feliz Áustria, casarás.''

terça-feira, 24 de março de 2020

El filósofo Byung-Chul Han sobre la pandemia: El COVID-19 no vencerá al capitalismo


byung chul han cultura inquieta
El filósofo surcoreano Byung-Chul Han


Finalmente, Han intenta dar respuesta a la que sin duda es una pregunta que muchísimas personas tienen ahora en mente: ¿por qué si el virus no es tan letal (su tasa de mortalidad continúa alrededor del 4%, esto es, cerca de 4 personas fallecidas por cada 100 infectados), por qué entonces la respuesta del mundo ha sido tan desmedida, en especial la respuesta simbólica: la respuesta emocional colectiva, la de los mercados financieros, la de los discursos políticos, etc.? En términos generales puede decirse que se ha creado un ambiente general de pánico excesivo que no parece corresponderse del todo con las cifras absolutas del daño provocado por el coronavirus? “Ni siquiera la “gripe española”, que fue mucho más letal, tuvo efectos tan devastadores sobre la economía”, dice Han. ¿Por qué?






«Na década de 1950, era comum as famílias lisboetas da classe média viverem em partes-de-casa, »

Ver aqui.

''Para um actor o senhor é demasiado envergonhado.''


Peter Handke. A Mulher Canhota. Tradução de Maria Adélia Silva Melo. Difel., p. 72
«Estou tão só que muitas vezes à noite antes de adormecer não tenho ninguém em quem possa pensar, só porque durante o dia não estive com ninguém. E como é que se pode escrever se não se tem ninguém em quem se pensar?»



Peter Handke. A Mulher Canhota. Tradução de Maria Adélia Silva Melo. Difel., p. 68
«Continuaram a andar na orla da floresta; a mulher levantou várias vezes o rosto e os flocos de neve caíam-lhe em cima. Ela olhou para dentro da floresta, onde nada se mexia, tão leve caía a neve.»


Peter Handke. A Mulher Canhota. Tradução de Maria Adélia Silva Melo. Difel., p. 68

«Nevava em pequenos flocos que caíam sussurrando  por entre as folhas secas dos carvalhos e se juntavam nas poças geladas de urina dos cães.»


Peter Handke. A Mulher Canhota. Tradução de Maria Adélia Silva Melo. Difel., p. 67

'', por detrás do vidro estriado, ''


Peter Handke. A Mulher Canhota. Tradução de Maria Adélia Silva Melo. Difel., p. 67

segunda-feira, 23 de março de 2020

me.di.a.ní.mi.co

«apenas e só»


«Não é frequente que uma expressão diga tanto sobre quem a profere. Há, em «apenas e só», uma ambição de rigor que impressiona, sobretudo num país em que tudo é feito à balda.»

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 91

con.lui.a.do

combinado com outrem em conluio
  Gripe Espanhola, 1918
ca.res.ti.a
kɐrəʃˈtiɐ
nome feminino
1.
falta ou escassez de víveres ou de certo produto
2.
preço superior ao valor real ou tabelado
3.
aumento do custo de vidasubida dos preços

''ramalhete patriótico''


Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 77

quinta-feira, 19 de março de 2020

domingo, 15 de março de 2020

Ler jornais é saber
mais ou menos o mesmo


Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 73

Joões

Basta juntar os lábios e soprar


Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 57
«Devo dizer, antes de mais nada, que não sou jurista. Estudei direito, mas não, de todo, o suficiente. Como o leitor sabe, um jurista é alguém que conhece as leis tão profundamente, que é capaz de garantir que elas dizem o oposto daquilo que manifestamente dizem.»


Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 55

sep.tu.a.ge.ná.ri.o

''atentado sangrento´´

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 49
faixa de crepe negra

cadenciado

cair no combate


semelhança semântica

''Quem tem telhados de vidro não pode atirar pedradas.''

Quem tem fragilidades que podem ser alvo de crítica deve evitar criticar os outros

os pisca-piscas

''Campeonato de indecoro''

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 45

''frases chanhestras''

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 38

«Uma coisa é certa: todos os estudos que apontam para o cenário catastrófico de um mundo superlotado parecem esquecer um facto a meu ver importante: boa parte das pessoas que estão vivas são idiotas. E essa idiotia acaba por lhes reduzir bastante a esperança de vida.»

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 35

instrumentos monetários fracos

a rapidez da digitalização

Quarto com vista
                                                                  para o fim do mundo



Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 35

''burocratas de Bruxelas''

Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 33

ba.da.nal

«Queres fiado? Toma!»

so.rum.bá.ti.co

insocial

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