terça-feira, 16 de dezembro de 2014
«Foi assim que aprendi a brincar com as serpentes e os escorpiões. É muito difícil. É preciso fazer gestos precisos sem ter medo. O prazer consiste em impedir o escorpião de picar, ao desarmá-lo. Uma vez que esteja cansado, põe-se numa tigela com água e assiste-se ao seu afogamento.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 220
«só este vento violento e furioso é capaz de me dar asas.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 217
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Tahar Ben Jelloun
«A minha mãe é demasiado infeliz para me ouvir.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 215
«Detesto estas festas de fim de ano em que toda a gente se sente obrigada a ser feliz.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 214
«Os que escrevem de noite, não suportam que alguém durma junto deles. Soube isso mais tarde. Ele tinha medo da noite. Ficava acordado mesmo que não escrevesse. Dizia: «Será ela ou eu!». Por vezes, era ela que ganhava. O sono vencia-o contra sua vontade. Quantas vezes adormeceu sentado, com a cabeça sobre a mesa de trabalho, a mão sobre o caderno onde escrevia.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 212
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
A CULPA É NOSSA
Talvez tenha sido uma hecatombe de esperanças
um desabamento de certa forma previsto
ah mas a minha tristeza só teve um sentido
um desabamento de certa forma previsto
ah mas a minha tristeza só teve um sentido
todas as minhas intuições acorreram
para me ver sofrer
e viram-me aliás
para me ver sofrer
e viram-me aliás
até aqui tinha feito e refeito
os meus trajectos contigo
até aqui tinha apostado
em inventar a verdade
mas tu arranjaste maneira
uma maneira terna
e ao mesmo tempo implacável
de frustrar o meu amor
os meus trajectos contigo
até aqui tinha apostado
em inventar a verdade
mas tu arranjaste maneira
uma maneira terna
e ao mesmo tempo implacável
de frustrar o meu amor
com um simples prognóstico eliminaste-o
dos subúrbios da tua vida possível
envolveste-o em nostalgias
levaste-o por quarteirões e quarteirões
e devagar
sem que o ar nocturno reparasse nisso
deixaste-o para aí
a sós com a sua sorte
que não é muita
dos subúrbios da tua vida possível
envolveste-o em nostalgias
levaste-o por quarteirões e quarteirões
e devagar
sem que o ar nocturno reparasse nisso
deixaste-o para aí
a sós com a sua sorte
que não é muita
acho que tens razão
a culpa é nossa quando não nos apaixonamos
e não dos pretextos
nem do tempo
a culpa é nossa quando não nos apaixonamos
e não dos pretextos
nem do tempo
há muito muitíssimo tempo
que eu não me enfrentava
como esta noite ao espelho
e foi implacável como tu
mas não foi terno
que eu não me enfrentava
como esta noite ao espelho
e foi implacável como tu
mas não foi terno
agora estou só
francamente
só
francamente
só
custa sempre um bocadinho
começarmos a sentir-nos desgraçados
começarmos a sentir-nos desgraçados
antes de regressar
ao meu acampamento de inverno
ao meu acampamento de inverno
com os olhos bem secos
por via das dúvidas
por via das dúvidas
observo como te vais embrenhando na névoa
e começo a recordar-te.
e começo a recordar-te.
Mario Benedetti
(tradução de Vasco Gato)
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
INVENTÁRIO
"A bruma a escuridão na nuca
a estátua na gruta
de onde o mar se retira
a árida divagação dos espelhos
as últimas fogueiras resistentes
aos ventos frios
dos últimos céus limpos
a vida despida
mentira após mentira
o chumbo a estagnação
o triste ventre aberto
do cão na estrada a fumegar esmagado
a lua de neurónios
o bico do amor
a penetrar na carne
tão fundo como a morte"
a estátua na gruta
de onde o mar se retira
a árida divagação dos espelhos
as últimas fogueiras resistentes
aos ventos frios
dos últimos céus limpos
a vida despida
mentira após mentira
o chumbo a estagnação
o triste ventre aberto
do cão na estrada a fumegar esmagado
a lua de neurónios
o bico do amor
a penetrar na carne
tão fundo como a morte"
-"Feriados Nacionais"
- Ernesto Sampaio
- Ernesto Sampaio
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
O SUSPIRO
Estás deitado na tua cama e suspiras,
e as molas enterradas no colchão
bradam na mesma nota grave,
escarnecendo da tua tristeza. É duro –
não o colchão, mas viver.
Viver é duro. Sempre
achaste que podias confiar na
tua própria cama, na tua própria dor.
Achavas que dormias sozinho.
e as molas enterradas no colchão
bradam na mesma nota grave,
escarnecendo da tua tristeza. É duro –
não o colchão, mas viver.
Viver é duro. Sempre
achaste que podias confiar na
tua própria cama, na tua própria dor.
Achavas que dormias sozinho.
Ted Kooser
(tradução de Vasco Gato)
CANTO DA ESTRADA LARGA
"Nenhum marido,nenhuma mulher, nenhum amigo confidentes para a confissão,
Outro eu, o duplo de cada um, lá vai mal-humorado e escondendo-se,
Informe e sem palavras através das ruas da cidade, polido e amável nos salões,
Nas carruagens dos comboios, nos navios, na assembleia pública,
Dentro das casas dos homens e mulheres, à mesa, no quarto, em todo o lado,
Ataviado a primor, rosto sorridente, figura aprumada, a morte sob os ossos do peito, o inferno sob os ossos do crânio,
Sob a camisa fina e a luvas, sob as fitas e flores artificiais,
Cordato com os costumes, não proferindo uma sílaba sobre si próprio,
Falando de tudo mas nunca de si próprio."
Outro eu, o duplo de cada um, lá vai mal-humorado e escondendo-se,
Informe e sem palavras através das ruas da cidade, polido e amável nos salões,
Nas carruagens dos comboios, nos navios, na assembleia pública,
Dentro das casas dos homens e mulheres, à mesa, no quarto, em todo o lado,
Ataviado a primor, rosto sorridente, figura aprumada, a morte sob os ossos do peito, o inferno sob os ossos do crânio,
Sob a camisa fina e a luvas, sob as fitas e flores artificiais,
Cordato com os costumes, não proferindo uma sílaba sobre si próprio,
Falando de tudo mas nunca de si próprio."
"Cântico da Estrada Larga"/ "Ode a Walt Whitman"/ Saudação a Walt Whitman"
domingo, 7 de dezembro de 2014
«não me deixes morrer no ódio»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 178
«faz-se pão, não para fazer viver, mas para matar.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 173
A PARTE MALDITA
"Passo noites contigo
e apenas reconheço
a espessa tessitura do cabelo.
Seguro na tua mão e guio-te nos corredores
que só de mim pertencem.
As salas que penetras construí-as,
tal o diabo à ponte,
na hora que precede a madrugada.
O galo canta sempre
antes de terminar a última cornija.
De ti pouco mais sei
além do gosto ( que temos semelhante)
do sexo seco
do sangue ausente que corre noutros lados
e se perde entre lençóis de cama
ou algodão hidrófilo.
De ti conheço o riso
nervoso ressoar,
batidas ritmadas num gongo fora de uso
em átrio obscurecido."
e apenas reconheço
a espessa tessitura do cabelo.
Seguro na tua mão e guio-te nos corredores
que só de mim pertencem.
As salas que penetras construí-as,
tal o diabo à ponte,
na hora que precede a madrugada.
O galo canta sempre
antes de terminar a última cornija.
De ti pouco mais sei
além do gosto ( que temos semelhante)
do sexo seco
do sangue ausente que corre noutros lados
e se perde entre lençóis de cama
ou algodão hidrófilo.
De ti conheço o riso
nervoso ressoar,
batidas ritmadas num gongo fora de uso
em átrio obscurecido."
Fátima Maldonado. Os Presságios.
«-Baixa os olhos quando falas comigo.
Quando o meu pai me ordena que baixe os olhos, não posso resistir ou fazer outra coisa. Os meus olhos baixam-se por si. Não o posso explicar. Sei apenas que é unicamente a expressão de um pacto entre nós dois. O amor, é em primeiro lugar, o respeito que se exprime por esses gestos. Não é preciso ir procurar muito longe.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 146
«Agora, é o pintor - chamemos-lhe Mário - que tenta meter-se nesta história. É um belo homem, um pouco sentimental para mim. Tem a gentileza dos fracos. É a pior. Estão prontos a ceder a tudo para serem agradáveis. Enerva-me. Pinta pássaros e mulheres sem cabeça.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 144
«O meu juízo não cessa de me repetir que seja paciente, que espere em silêncio ao fim de qualquer coisa de que ignoro a natureza e a finalidade. Então aguardo, no interior de mim mesmo, dentro desta velha carcaça gasta e espezinhada pelos outros.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 143
«É uma loucura tudo o que digo a mim mesmo desde que decidi não falar mais.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 142
sábado, 6 de dezembro de 2014
HUMANO, DEMASIADO HUMANO
"Trocares o meu
por outro corpo à espera
é um vago sintoma que se imiscuiu
na suspeita matriz
recôndita cisterna
onde abeberam no mais limoso chão
as sacrílegas tardes
da degola materna.
A esparsa neblina encha cada porta
de um velo putrescível
a casa estagnava na poça das ausências
e o desejo sucumbe na falésia.
Nessa mão vitrificam
restos de placenta
amoras pintando no recorte dos dedos
o proibido mosto,
essa mão que decénios
enrugaram lisura,
puxou-te em direcção à cama onde nasceste.
Sibilante esconjuro
te marcou o fácies do selo ritual
e te obriga à errância na vereda deste trilho.
Enquanto nos embalam
nas camas aquecidas
onde um urso e um pato ouviam os queixumes
da fome de mais leite,
tu chegavas à zona onde era proibido
recordar o processo das solenes gracinhas,
a palavra mal dita
o fígado desfeito às voltas das cenouras,
só no seco coçar
da memória exaurida
a sôfrega migalha a confidente apanha
à espera se um deslize abranda a contenção."
por outro corpo à espera
é um vago sintoma que se imiscuiu
na suspeita matriz
recôndita cisterna
onde abeberam no mais limoso chão
as sacrílegas tardes
da degola materna.
A esparsa neblina encha cada porta
de um velo putrescível
a casa estagnava na poça das ausências
e o desejo sucumbe na falésia.
Nessa mão vitrificam
restos de placenta
amoras pintando no recorte dos dedos
o proibido mosto,
essa mão que decénios
enrugaram lisura,
puxou-te em direcção à cama onde nasceste.
Sibilante esconjuro
te marcou o fácies do selo ritual
e te obriga à errância na vereda deste trilho.
Enquanto nos embalam
nas camas aquecidas
onde um urso e um pato ouviam os queixumes
da fome de mais leite,
tu chegavas à zona onde era proibido
recordar o processo das solenes gracinhas,
a palavra mal dita
o fígado desfeito às voltas das cenouras,
só no seco coçar
da memória exaurida
a sôfrega migalha a confidente apanha
à espera se um deslize abranda a contenção."
Fátima Maldonado. Os Presságios.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
«Com o tempo, acabaste por saber. Não dizes nada. Quando me falas baixas os olhos, como se escondesses um sentimento. Tento captar o teu olhar e retê-lo o mais tempo possível...»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 137
«Kniza! Assim te chamarei, menos para evocar o tesouro escondido na montanha pelo trisavô que, porque esse nome parece, quando o desenho ou quando o ouço no escuro, o teu olhar quando não compreendes uma palavra ou um gesto e os teus olhos piscam docemente com essa ironia em busca de cumplicidade. Gosto deste nome como do travessão que conservas nos teus cabelos como um penhor da infância, neste dia dos teus vinte anos em que tentas dar ao teu rosto a expressão de uma gravidade que pretende ser desespero. Aí, sentada nesse velho cadeirão, com as pernas dobradas seguras pelas tuas mãos, iluminadas por um raio de sol. Olho-te nesta doçura das coisas e do lugar sem me aproximar demasiado, com medo de incomodar os teus pensamentos que se empurram para se tornarem imagens de um sonho inventado, sem mesmo se debruçar para ouvir as vozes daquele que te faz sorrir.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 135/6
«as minhas noites reúnem-se nessa solidão para enlaçar este corpo vazio»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 133
«O amor teria um rosto como o tempo, a melancolia ou o medo. Eu vivia com aquele rosto ainda vazio.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 130
«Aproximei-me dela, tomei-lhe o rosto nas mãos e tentei ler nos seus olhos. Estavam vazios como uma casa abandonada.Tinha as mãos frias. Falei-lhe; ficou impassível.»
Tahar Ben Jelloun. De olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 123
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