Mostrar mensagens com a etiqueta poetas gregos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta poetas gregos. Mostrar todas as mensagens

sábado, 27 de novembro de 2010

 
«Ides embora? Boa-noite. Não irei. Boa-noite.
Sairei mais tarde. Obrigada. Porque afinal
necessito de sair desta casa degradada,
ver um pouco a cidade - não, não a lua -,
a cidade de mãos calosas, a cidade do salário,
a cidade que jura em nome do pão e do seu punho,
a cidade que a todos nos sustenta no seu dorso,
com a nossa pequenez, os nosso vícios, os nossos
ódios,
as nossas ambições, a nossa ignorância, a nossa
velhice,
ouvir os grandes passos da cidade,
não mais ouvir os vossos passos ou os de Deus:
nem sequer os meus. Boa-noite.»
 
 
Yannis Ritsos. poemas. Selecção e Trad. de Egito Gonçalves. Prefácio de Carlos Porto. 1ª ed. Fevereiro, 1984. Editora Limiar., p.27/8
 
«Esta casa já não pode suportar-me.
Eu já não posso carregá-la no dorso.
É necessário ter sempre cuidado, ter muito cuidado,
escorar a parede com o armário grande
escorar o armário com a velha mesa entalhada
escorar a mesa com cadeiras
escorar as cadeiras com as mãos
meter o ombro na trave que acaba de ceder.
E o piano com um soturno caixão fechado. Sem
coragem para o abrir,
estar sempre com cuidado, sempre atenta que
nada caia, que eu própria não caia. Não posso
mais.
Deixai-me ir convosco.
 
Esta casa, apesar de todos os seus mortos, não
deseja morrer.
Obstina-se a viver com os seus mortos
a viver dos seus mortos
a viver da certeza da sua morte
e a colocar os seus mortos em camas e em prate-
leiras demolidas.
Deixai-me ir convosco.
Aqui, por mais macios que sejam os meus passos
na bruma da tarde,
que eu ande de pantufas ou com os pés descalços,
alguma coisa estilhaçará - um vidro de janela ou
um espelho.
Ouvem-se certos passos - não são os meus.
É possível que fora, na rua, tais passos não se
ouçam
 - dizem que o arrependimento calça tamancos -
e se nos voltarmos e nos olhamos nesta ou naquela
vidraça
apercebemos, atrás da poeira e das fendas,
o nosso rosto ainda mais embaciado e estilhaçado,
o rosto para o qual, na vida, tínhamos pedido
apenas
a possibilidade de o manter puro e indivisível.»
 
(...)
 
 
 
 
Yannis Ritsos. poemas. Selecção e Trad. de Egito Gonçalves. Prefácio de Carlos Porto. 1ª ed. Fevereiro, 1984. Editora Limiar., p.22
(...)
 
Deixai-me ir convosco.
 
Quando há luar as sombras alongam-se pela casa,
mãos invisíveis afastam as cortinas,
um dedo pálido escreve na poeira do piano
palavras esquecidas - não quero ouvi-las. Calai-
-vos.
 
Deixai-me ir convosco.
um pouco mais abaixo, até ao muro da fábrica
de tijolos,
até ao lugar onde a rua se encurva e parece
uma cidade de cimento e imaterial
tão positiva e quase metafísica
que se torna enfim possível crer que existimos
ou que não existimos,
que nunca existimos, que o tempo e a sua usura
nunca existiram.
Deixai-me ir convosco
 
Sentar-nos-emos um momento no banco de pedra,
em cima, no cômoro,
e enquanto a brisa primaveril nos acaricia
sonharemos talvez que levantamos voo,
porque muitas vezes, mesmo agora, ouço o ruído
do meu vestido
como o ruído de duas asas poderosas no seu
ímpeto,
e quando se é apanhado nesse ruído de voo
sente-se a garganta apertada, os flancos, a carne,
e apertada assim nos músculos do ar azulado,
apanhado nos robustos nervos da altura,
pouco importa que se chegue ou se parta,
pouco importa ter os cabelos brancos
(não é esse o meu desgosto; o meu desgosto
é que o coração não queira embranquecer também).
Deixai-me ir convosco
 
Sei bem que caminhamos sozinhos para o amor,
sozinhos para a glória, sozinhos para a morte.
Sei-o. Experimentei-o. De nada serve.
Deixai-me ir convosco.
 
 
 
 
Yannis Ritsos. poemas. Selecção e Trad. de Egito Gonçalves. Prefácio de Carlos Porto. 1ª ed. Fevereiro, 1984. Editora Limiar., p.17/18
«Versos há - poemas inteiros às vezes/ quem nem eu
mesmo sei o que querem dizer./ O que não sei me detém
ainda./ Tens razão para me perguntar. Não me pergun-
tes./ Digo-te que não sei.»
(...»

Yannis Ritsos. poemas. Selecção e Trad. de Egito Gonçalves. Prefácio de Carlos Porto. 1ª ed. Fevereiro, 1984. Editora Limiar., p.14

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

« A metamorfose procurámo-la na nossa juventude »


Yorgos Seferis. Poemas Escolhidos. Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis. Relógio D'Água, Lisboa, 1993., p. 105

« existem acaso
aqui onde se encontra a passagem da chuva do vento
e do desgaste
existem o movimento do rosto traçado do carinho
daqueles que diminuíram tão estranhamente dentro da nossa vida
desses que ficaram sombras de vagas e reflexões com
a imensidade do mar
ou porventura não nada fica a não ser apenas o peso
a saudade do peso duma existência viva
aí onde agora sem substância ficamos vergando
como hastes do salgueiro abominável amontoadas dentro
da duração do desespero
enquanto lenta a amarela torrente arrasta para baixo dentro da lama
juncaria arrancada
imagem de rosto que se tornou mármore na decisão de uma
amargura para sempre.
O poeta um vazio.»


Yorgos Seferis. Poemas Escolhidos. Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis. Relógio D'Água, Lisboa, 1993., p. 101

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Micenas

Dá-me as tuas mãos, dá-me as tuas mãos,
dá-me as tuas mãos.
 
Vi dentro da noite
o cimo agudo do monte
vi além a planície inundada
com a luz de uma lua por aparecer
vi, ao voltar a cabeça
as pedras negras contraídas
e a minha vida tensa como corda
princípio e fim
o último momento;
as minhas mãos.
 
Afunda-se quem levanta as grandes pedras;
estas pedras levantei-as enquanto suportei
estas pedras amei-as enquanto suportei
estas pedras, o meu destino.
Ferido pelo meu solo
tiranizado pela minha túnica
condenado pelos meus próprios deuses,
estas pedras.
 
Sei que não sabem, porém eu
que segui tantas vezes
o caminho do assassino ao assassinado
do assassinado à paga
da paga ao outro assassínio,
a púrpura inesgotável
aquela tarde do regresso
quando as Solenes começaram a silvar
na erva escassa -
vi as serpentes em cruz com as víboras
entretecidas sobre a linguagem má
o nosso destino.
 
Vozes de pedra e do sono
mais fundas aqui onde o mundo escurece,
memória da fadiga enraizada no ritmo
que bateu na terra com pés
esquecidos.
Corpos afundados nos alicerces
do outro tempo, nus. Olhos
fixos fixos, num sinal
que por mais que queiras não distingues;
a alma
que luta por tornar-se tua alma.
 
Nem já sequer o silêncio é teu
aqui onde as mós pararam.
 
Outubro 1935
 
 
 
 
 
Yorgos Seferis. Poemas Escolhidos. Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis. Relógio D'Água, Lisboa, 1993., p.49/51

XV

 
Quid campo de plátanos opacissimus?
 
O sono envolveu-te, como uma árvore, com folhas verdes,
respiravas, como uma árvore, na luz tranquila,
olhei para a forma do teu rosto dentro da fonte diáfana;
pálpebras fechadas e os cílios riscavam a água.
Os meus dedos na erva macia, encontraram os teus
dedos
prendi o teu pulso um momento
e senti noutro lugar a dor do teu coração.
 
Debaixo do plátano, perto da água, entre os loureiros
o sono deslocava-te e despedaçava-te
em redor de mim, perto de mim, sem poder tocar-te
inteira,
una com o teu silêncio;
vendo a tua sombra crescer e diminuir,
perder-se noutras sombras, dentro do ouro
mundo que te deixava e te prendia.
 
A vida que nos deram para viver, vivemo-la.
Tem dó dos que esperam com tanta paciência
perdidos entre os loureiros negros debaixo dos pesados
plátanos
e dos que falam sós por cisternas e por poços
se de afogam dentro dos círculos da voz.
 
Tem dó do companheiro que partilhou a nossa privação
e o suor
e afundou dentro do sol qual corvo além dos mármores,
sem esperança de disfrutar a nossa recompensa.
 
Dá-nos, fora o sono, a serenidade.
 
 
 
 
Yorgos Seferis. Poemas Escolhidos. Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis. Relógio D'Água, Lisboa, 1993., p.35/37

domingo, 21 de novembro de 2010

«Voltamos a embarcar com os nossos remos partidos.»
 
 
 
Yorgos Seferis. Poemas Escolhidos. Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis. Relógio D'Água, Lisboa, 1993., p.33

III

Lembra-te dos banhos em que foste afogado


Acordei com esta cabeça de mármore nas mãos
que extenua os meus cotovelos e não sei onde
pousá-la.
Ela tombava no sonho enquanto eu saía do sonho
a nossa vida uniu-se e será muito difícil separar-se
de novo.

Vejo os olhos; nem abertos nem fechados
falo à boca que continuamente procura falar
seguro as maçãs do rosto que ultrapassam a pele.
Já não tenho força;

as minhas mãos perdem-se e aproximam-se de mim
mutiladas.


Yorgos Seferis. Poemas Escolhidos. Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis. Relógio D'Água, Lisboa, 1993., p.23

domingo, 31 de outubro de 2010

*

Para o fugitivo não há amigo nem fiel companheiro:
isto é mais doloroso do que o próprio exílio.

Teógnis. Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Organização, tradução e notas Frederico Lourenço,Livros Cotovia, Lisboa, 2006 p.71
*

Que ninguém te convença a amares um homem vil,
ó Cirno. Para que serve um homem vil como amigo?
Não te salvaria do duro trabalho nem da desgraça,
nem na ventura nada quereria partilhar contigo.
Favor vão é fazer bem a gente reles:
é o mesmo que semear o mar cinzento.
Não é semeando o mar que terás boa ceifa,
nem fazendo bem aos maus terás boa recompensa.
Pois os maus têm uma mente insaciável. Se dás passo em falso,
desaparece a amizade provinda de todos os actos anteriores.
Mas muito se comprazem os nobres pela forma como são
tratados e mantêm no futuro a gratidão e a memória dos favores.


Teógnis. Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Organização, tradução e notas Frederico Lourenço,Livros Cotovia, Lisboa, 2006 p.66
*

Quem mantém o pensamento separado da língua é mau
companheiro, ó Cirno, pois é melhor inimigo do que amigo.


Teógnis. Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Organização, tradução e notas Frederico Lourenço,Livros Cotovia, Lisboa, 2006 p.65
*

Não me ames com palavras, tendo noutro lado mente e coração,
se me amas e se fiel é a tua intenção.
Ama-me com a mente pura, ou então rejeita-me
e odeia-me e opta pelo conflito aberto.

Teógnis. Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Organização, tradução e notas Frederico Lourenço,Livros Cotovia, Lisboa, 2006 p.65

*

Encontrarás poucos homens, ó Cirno, que sejam amigos
fiéis em empreendimentos difícieis: homens
que ousem estar sintonizados contigo,
a ponto de partilharem por igual das coisas boas e das más.

Teógnis. Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Organização, tradução e notas Frederico Lourenço,Livros Cotovia, Lisboa, 2006 p.65
*

Para grandes empresas confia em poucos homens,
para que não obtenhas, ó Cirno, uma dor insustentável.


Teógnis. Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Organização, tradução e notas Frederico Lourenço,Livros Cotovia, Lisboa, 2006 p.65

sábado, 30 de outubro de 2010

28 Amor pesado (fr. 460 PMG)

O fardo do Amor.

Anacreonte. Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Organização, tradução e notas Frederico Lourenço,Livros Cotovia, Lisboa, 2006 p.60

21 Cabelo cortado (fr. 414 PMG)

Cortaste a flor perfeita do teu cabelo macio.

Anacreonte. Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Organização, tradução e notas Frederico Lourenço,Livros Cotovia, Lisboa, 2006 p.59

14 Sedento (fr.389 PMG)

És amável para homens estranhos: dá-me de beber, estou sedento.


Anacreonte. Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Organização, tradução e notas Frederico Lourenço,Livros Cotovia, Lisboa, 2006 p.57

8 As rosas da Piéria (fr. 55 PLF)

Morta jazerás e de ti não haverá jamais memória
nem saudade no futuro: pois não participaste das rosas
da Piéria, mas invisível na mansão de Hades
andarás para trás e para a frente no meio dos mortos sombrios.


Safo. Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Organização, tradução e notas Frederico Lourenço,Livros Cotovia, Lisboa, 2006 p.38.
Powered By Blogger