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sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

QUADRAS DA ALMA DORIDA
"Trago deus impresso em mim
no coração e nos rins
A mancha tem a altura
de quarenta quadris
Estava num profundo êxtase
no seio da divindade
Tudo se esvai. Perdi o
bilhete de identidade
A vida dói. Nada resta.
E diz a alma dorida:
Não creio numa outra vida.
Havia eu de crer nesta?"
-"Obra Poética 1"
- Ruy Belo

quarta-feira, 18 de junho de 2014

«Eu vi morrer um homem e caminho»

 
«Sublinhemos eu vi. Existir, para Ruy Belo, é ser olhado, é ser coberto pela força de um olhar, mas é também resistir ao olhar dos outros, conseguir que o olhar dos outros não destrua o nosso olhar. Só no lugar da Mãe, ou de Deus, o olhar assimétrico. «Somos seres olhados » (p.41), «Não mais o teu olhar te defende / Tu és um ser exposto a todos os olhares » (p.43) - e esta é talvez, para Ruy Belo, a definição da morte.»
 
 
 
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 159

«Eu não dispenso a morte eu quero morrer muito »

««nunca até hoje eu morrera tanto em alguém»

«ele vai só não tem ninguém / onde morrer um pouco toda a morte que o espera»

«No teu amor por mim há uma rua que começa»

   «Depois, os ombros. Há toda uma relação com a amada e o amigo que passa por esta valorização dos ombros como lugar de apoio para duas pessoas que caminham lado a lado: «Há no meu ombro lugar/para o teu cansaço » (p.29), «tu és uma presença redonda no meu ombro de morte» (p.45), «uma mulher, alguém capaz de partilhar / o peso que nos ombros de cada dia puser » (p.101). E o homem isolado na cidade é aquele que não tem «um ombro para o seu ombro » (p.19).
 
sobre o poeta Ruy Belo
 
 
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 156

domingo, 16 de janeiro de 2011

ELOGIO E PRANTO POR UMA MULHER

És e renasces como a pura linha do amanhecer
e como o sol primeiro és incandescente
rosado de repente e logo a pouco
e pouco cada vez mais rubro e mais intenso
até à amarela gema de ovo que é o sol a pôr-se
Quanto eu não dava deus por sempre te ouvir rir
riso tão fresco como tilintar de loiça
Não confies em mim mulher mas desconfio haver de
                                                             amar-te
até ao fim do mundo frase conhecida que me surge
no poster ilustrado com esse poema do
palhaço morto do miguel macedo
miúdo que por certo e muito bem desconhecia
a inscrição de pedra inscrita aos pés do túmulo de pedro
esse maldito infante embêbedo de amores
pela açafata a nova isolda do novo tristão
pedro possivelmente pederasta misturados nesses
concúbitos danados que geravam lobisomens
homem que nasce e morre sem amparo de árvores
Seis são os anjos reparei depois tal como foram seis
os beijos que te dei e depois respirei e descansei
que o sétimo seria fosse beijo ou dia
um tempo de repouso e não de guerra
Suspeito ter em ti essa mulher que se requer e que
se nos arrima mais que amor nos dá a rima
Tu não és como eu sou mensageira da chuva
da água calculada e racionada
tu libertas o corpo da mais pura espuma
Rosa-dos-ventos vivos e poéticos
quisera coroar-te de hera rosmaninho e louro
quisera engrinaldar-te a fronte dos junquilhos amarelos
colhidos nas montanhas junto ao mar
sob o recente sol do dia de ano novo
que em noites de tormenta canta tanto
que para ele caminho até quase cair
depois de tropeçar no escuro nalgum tufo de verdura
quisera para ti o cheiro que me chega
agreste dessa planta sumarenta há bem pouco pisada
quisera para ti a cúpula de tudo essa
perene cúpula que sempre se procura e sempre foge
no desencanto mesmo da menos fugitiva cópula
Sonho contigo e vejo-te valsar
de branco a valsa vienense de johann strauss
elegantemente embebida num vestido branco que embebias
do requinte distante do elegante porte
que sem misericórdia porém sem acinte
opunhas garça de pescoço alto e fino
à mole escura da igreja da atouguia da baleia
inaugurando o ano inaugurando a vida
a causa sem remédio já por mim perdida
E se durante o sono contigo sonhei
ter-te perdido para sempre agora sei
Um dia por exemplo deixarei de ver-te
um dia deixarei de vez de ver-te
dissolvidos os ombros confundidos os cabelos
entre inúmeros ombros e cabelos de distinta gente
nas salas populosas de um museu
Mas surgisses de súbito ó aparição
do solo da cidade onde estiveste há tantos anos
onde por ter um dia estado jamais estiveste
surgisses tu aqui e tudo mudaria
Porém eu sei sem dúvida que um dia após
uma colher de olhar em água dissolvida
além do nome voltarás a ter pra mim um apelido
Na prematura primavera de sevilha
o poeta na musa se assevera
e a palavra em seus olhos mais uma vez brilha
E o vento que te envia a primitiva primavera
com que na raiz dos teus cabelos principia
a construir esse edifício de alegria
visível para quem em ver-te como eu há muito persevera
Hás-de cair da vida um dia como agora este cinzeiro
esta recordação de inolvidável refeição no restaurante
                                                                    anselmo
de madrid se quebra nos ladrilhos do meu quarto
Onde sem ser no verão sem ser em mim
terá enfim ficado o teu sorriso?
É digna esta cabeça de mulher do espaço desta tarde
que me explode nos olhos mal eu saio do metro
Não sei não sei donde é que venho não importa vindo eu
do metro ou tarde é para ti que na verdade vou



Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 130/1
Quero dormir não ter esta doença de pensar


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 114
(...)

inesperados os primeiros acordes do concerto imperador
Se um dia penso porventura te perder
mulher simples recôndita e surpreendente
sobre quem recaiu o peso do meu nome
só então saberei o peso do meu nome
só então saberei quanto valias verdadeiramente
Estás presente em mim como ninguém
e sabes quão terrivelmente amei e amo outras mulheres
além de ti além de minha mãe
Mas tu tens o meu nome clara rilke tu trocaste
a tua alegre vida irrequieta
no único infeliz dos teus negócios
por um poeta pobre e feio como eu
Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhaste súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia-a-dia
mais que mulher tu és já hoje a minha única viúva
Não posso dar-te mais do que te dou
este molhado olhar de um homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente
Bons-dias maria teresa até depois
preciso de tomar o pequeno-almoço
a cerveja era boa mas é bom comer
como come qualquer homem normal
e me poupa ao perigo de até pela idade
me converter subitamente num sentimental




Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 104

Solene saudação a uma fotografia

E de novo de súbito a helena viva aqui numa fotografia
helena que ficou nesse país onde nasci e sempre fico
e fico mesmo mais sempre que ausente
helena tão discreta no recorte dos gestos
na forma de vestir no corte de cabelo
que tenta mas em vão dissimular que é bela
ou o consegue só junto de quem jamais conseguiria vê-la
ao nível exigente onde ela na verdade se situa
helena recortada contra a pedra contra o mar redondo
da baía
onde há não muito ainda e no entanto há tanto
tempo colaborámos por exemplo na exaltação do verão
e afrontámos a morte implícita no tempo
helena vertical dúctil porém em tão frágil figura
helena sorridente e inocente como uma criança
mas no fundo talvez superiormente maliciosa
milagre de mulher deus que talvez procure
por detrás de tantos rostos que se os dias me os trouxeram
me os levaram
única metafísica possível para quem volta em verdade hoje
da vida
com a concha das mãos acumulados do vazio
vindo afinal do fundo das mais várias verdades
mulher coisa mudável num momento como um mar
objecto de beleza só visível no conjunto
irredutível a uns olhos aos cabelos ao nariz
tão frágil flor que a mim há pouco forte apenas vista me
faz frágil
num tempo detergente que nos lava que nos leva quanto
tínhamos gente
helena como que translúcida e não menos transparente
do que se fosse alma esse corpo que ela totalmente é
helena natural portanto provocante
ignorante das praxes do exército
talvez por se encontrar isenta do serviço militar
helena inflecte o braço esquerdo e faz-me a continência
sem nada ó insolência na cabeça
helena que perdi e tanto mais perdi
por ter desde o início consciência de perdê-la
mulher que vi envolta pelas dobras do verão
ficar no mar sob o dossel de tule do céu azul
helena que deixei e quase nunca saudei
quando como uma folha o tempo me a levou
e me a matou à vista numa esquina ou curva
helena já definitivamente ausente quando se me apresentou
helena inacessível tanto mais se mais visível
helena inexpugnável como funda fortaleza
(lutar por encontrar imagem menos gasta em futura versão)
não só por não ter armas e ter só o mínimo de mãos
mas por ser o sorriso a sua única defesa
helena deste verão helena todo o ano
em virtude talvez de um expediente técnico por mim
desconhecido
helena perturbante e mais desconcertante
à força de nem mesmo - ingenuidade minha? - dar
por isso
helena deste outono madrileno só porque a fotografia
lhe permite sair do labirinto desse verão onde a deixei
helena assistemática e imprevisível como coisa viva
que quanto mais conheço desconheço
e nunca mais conheci melhor que quando a conheci
há anos nos distantes trás-os-montes
mais branca mesmo do que a camisola e do que a flor
da árvore (e não me lembrar eu ó diabo ou do nome
ou da forma da flor dissimulada pela cor)
plantada junto à casa onde camilo quando jovem habitou
helena que comove um homem que se isola
mais sozinho na vida que num quarto
ao fundo do comprido corredor de um casarão
onde talvez procure a protecção de muita gente nova
pois até aprendeu com thomas mann há pouco que a
velhice
é afinal a única impureza verdadeira
helena luminosa mais que a própria luz
helena que distante se me impõe
e sobressai do meio das múltiplas coisas
dispersas pelo espaço limitado por quatro paredes
helena talvez nada talvez tudo ou quase tudo
(melhor é não falar de percentagens
depois daquela viva discussão no verão)
helena ergue o braço e mais do que evitar a luz
do sol dessa intensa estação onde sei só agora que me
senti bem
helena em desafio faz-me a continência
E eu ao descobri-la ali perdida na fotografia
entre diapositivos e agendas caixas de comprimidos
botões de punho livros algodão sobre a mesa-de-cabeceira
aó consigo cumprimentá-la atrapalhadamente
com a proverbial solenidade portuguesa
tão rígida mas menos militar - bem o sabes ó salvador
tu que em mafra já és a esperança miliciana do exército
a até dispões de um pronto - do que a continência:
helena passou bem vossa excelência?



Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 87-89

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Uma grécia secreta dorme em cada coração
na noite que precede a inevitável manhã


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 83

To Helena

Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais corrente
A vida enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de se ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente



Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 75/6
Mãos humanas aqui matam a morte


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 70

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Por instantes sou eu ninguém morreu aqui
 
 
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 32

Súplica

O outono demora-se no mundo
A juventude há muito despediu
a primavera da primeira ave
Respiro as lágrimas das raparigas
recordo-me do seu odor nocturno
Escuto o movimento lento da ramada
esqueci a escada habitual do dia-a-dia
a cortina da chuva corre-se de novo
Nesta manhã de outono alviões da vida
murmuram-nos mulheres minuciosas
O ombro da colina ergue o nevoeiro
na madrugada não cantaram os melros
A areia bebe cheia a chuva enquanto
nós infinitamente nos distanciamos
de quanto - diz a santa - desejamos
Aonde está a mãe da minha infância?
Talvez com ela tudo começasse
É nos fins do verão alguém morreu
foi-se a ferocidade das cigarras
no caminho das tílias percorridas
Deixo cair as mãos pois nem sempre me restam essas
aves do mar que a tempestade impele
em tempo de equinócio para a costa
É o cabo do mundo é o fim do ano
a era perfeita da culpabilidade
Respiro já os meus últimos dias
Sobre este céu nenhuma ave adeja
Que a terra humedecida me proteja



Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 27

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

«Ao escrever, mato-me e mato.»


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
«Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me.»


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
«Mas, ao escrever, dou à terra, que para mim é tudo, um pouco do que é da terra. Nesse sentido, escrever é para mim morrer um pouco, antecipar um regresso definitivo à terra.»


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19

quinta-feira, 10 de junho de 2010

E o assunto é de morte é de morte que eu falo


Ruy Belo
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