Rosa - ó pura contradição ! - prazer de não ser sono de ninguém sob tantas pálpebras.
Noite feita de rosas. Noite feita de muitas, muitas rosas claras, noite luminosa feita de rosas, sono de mil rosas, sou o teu adormecido. Iluminado adormecido dos teus perfumes; profundo adormecido das tuas frias intimidades.
«As rosas são recatadas. Nisso consiste a sua magnificência. As rosas roseiam. O seu verbo é rosear.»
Byung-Chul Han. Louvor da Terra. Tradução de Miguel Serras Pereira. Relógio D' Água. 2020., p. 111
«A hortênsia sargentiana rompe pela primeira vez em botões. Esteve doente durante dois anos. Eu ocupei-me amorosamente dela. E ela corresponde agora ao meu amor.»
Byung-Chul Han. Louvor da Terra. Tradução de Miguel Serras Pereira. Relógio D' Água. 2020., p. 110
Andava já há vinte dias Ao frio, ao vento e à fome Às escondidas da sorte Um dia fraco, outro forte Que o dia em que se não come É um dia a menos para a morte Um dia fraco, outro forte
Quando um barulho de cama A voltar-se de impaciente Me fez parar de repente Era noite e o casarão Não tinhas lados nem frente Dentro havia luz e pão Me fez parar de repente
Ó da casa, abram-me a porta Fiz as luzes se apagarem Cheguei-me mais à janela Vi acender-se uma vela Passos de mulher andarem E uma mulher muito bela Chegou-se mais à janela
Não tenhas medo, eu não trago Nem ódio nem espingardas Trago paz numa viola Quase que não fui à escola Mas aprendi nas estradas O amor que te consola Trago paz numa viola
Meu marido foi pra longe Tomar conta das herdades Ela disse "Companheiro" Eu disse "Vem", ela "Tu primeiro" "Tu que me falas de estradas" "E eu só conheço um carreiro" Ela disse "Companheiro"
A contas com a nossa noite Afundados num colchão Entre arcas e um reposteiro Descobrimos um vulcão Era o mês de Fevereiro E o Inverno se fez Verão Descobrimos um vulcão
E eu que falava de estradas E só conhecia atalhos E ela a mostrar-me caminhos Entre chaminés e orvalhos Pela manhã, sem agasalhos Voltei a rumos sozinhos E ela a mostrar-me caminhos
Andarei mais vinte dias ao frio, ao vento e à fome Às escondidas da sorte Um dia fraco, outro forte Que o dia em que se não come É um dia a menos para a morte Um dia fraco, outro forte Um dia fraco, outro forte
Byung-Chul Han. Louvor da Terra. Tradução de Miguel Serras Pereira. Relógio D' Água. 2020., p. 82
Marianna Rothen
«A deusa Hera, que nasceu debaixo de um agnocasto, copulava uma vez por ano com Zeus. A seguir, quando se banhava no rio Imbraso, a sua virgindade renovava-se.
Byung-Chul Han. Louvor da Terra. Tradução de Miguel Serras Pereira. Relógio D' Água. 2020., p. 80
«Floresce também a rosa azul chamada Novalis. O azul é a cor do romantismo.»
Byung-Chul Han. Louvor da Terra. Tradução de Miguel Serras Pereira. Relógio D' Água. 2020., p. 79
« Floresce o hibisco azul. O hibisco é a flor nacional da Coreia.»
Byung-Chul Han. Louvor da Terra. Tradução de Miguel Serras Pereira. Relógio D' Água. 2020., p. 79
« No meio, no outono, floresciam cosmos. Do lado direito, havia uma madressilva num grande vaso. Morreu, deixando-me abandonado pelo amor. Então também os relógios pararam. A dor foi muito grande.»
Byung-Chul Han. Louvor da Terra. Tradução de Miguel Serras Pereira. Relógio D' Água. 2020., p. 79
Pareceu-me uma aparição de ti Mas era já tão tarde E hoje ninguém há Agitar a minha solidão Pra dar corda ao brinquedo Agora ainda era cedo
A verdade é que ontem nem te menti E tu nem precisaste De saber quem amaste Não me fugiste nem eu te fugi Foi amor de um momento Mútuo consentimento Mútuo consentimento
Pareceu-me uma desaparição de ti
SABES POR VEZES QUERIA BEIJAR-TE
Sabes por vezes queria beijar-te. Sei que consentirias.
Mas se nos tivéssemos dado um ao outro ter-nos-íamos separado porque os beijos apagam o desejo quando consentidos.
Foi melhor sabermos quanto nos queríamos, sem ousarmos sequer tocar nossos corpos.
Hoje tenho pena. Parto com essa ferida.
Tenho pena de não ter percorrido teu corpo como percorro mapas, com os dedos teria viajado em ti do pescoço às mãos da boca
ao sexo.
Tenho pena de nunca ter murmurado teu nome no escuro.
Acordado perto de ti.
As noites teriam sido de ouro e as mãos teriam guardado o sabor do teu corpo.
''Picasso era um génio e um monstro - podem ser separados?''
Claire Dederer
«Todo o santo dia bateram à porta. não abri, não me apetece ver pessoas, ninguém. Escrevi muito, de tarde e pela noite dentro. Curiosamente, hoje, ouve-se o mar como se estivesse dentro de casa. o vento deve estar de feição. a ressonância das vagas contra os rochedos sobressalta-me. Desconfio que se disser mar em voz alta, o mar entra pela janela. Sou um homem privilegiado, ouço o mar ao entardecer. que mais posso desejar? E no entanto, não estou alegre nem apaixonado. Nem me parece que esteja feliz. Escrevo com um único fim: salvar o dia.»
'' uns quantos bebés desfavorecidos encharcados em dexedrina''
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 89
« (...) - vai a mais a uma consulta com o Freud « só os ricos é que podem pagar-lhe» diz ele « só os ricos é que podem pagar pela arte - não será assim?» « não terá sido sempre assim?»
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 89
Ele que só nos trouxe a Maior miséria encontra-se a pagar A sua vilania num exílio vergonhoso Em terra de Espanha Provou-se que o povo tinha razão e Provou-se também que a unidade de Todos os cidadãos há-de levar de vencida Essa corte corrupta e indigna Temos de exigir medidas revolucionárias ao Nosso governo não podemos Permitir que o Duque de Palmela, o nosso ministro, continue Nas mesmas águas turvas do Costa Cabral se não é Capaz de tomar medidas que sirvam o povo Que vá para lá outro
Aprende Rainha aprende mede bem o teu poder Tu dum lado o povo d'outro Qual dos dois há-de vencer
O Cabral fugiu p'ra Espanha Com uma carga de sardinha Com a pressa que levava Nem disse adeus à Rainha
Viva a Maria da Fonte Ve com esporas de prata a cavalo na Rainha Com o Saldanha á arreata
O Cabral queria ser rei A mulher quer ser rainha Foram-se os Cabrais embora Só ficou a Luisinha
O Cabral fugiu para Espanha Já lá vai para a Galiza Com a pressa que levava Nem disse adeus à Luisa
''Onde não há esperança, cabe a nós inventá-la. ''
Albert Camus
terça-feira, 9 de janeiro de 2024
''É melhor rasgar cada fibra, deixe a fúria fluir. desatado, o sangue molhando, vívida, o sofá, o tapete, o chão enquanto o calendário em forma de cobra Jura-me que estás a um milhão de condados verdes daqui. Melhor isso do que ficar aqui sentada, muda. convulsionando assim sob as estrelas espinhosas com o olhar perdido, com maldições. que enegrecem os momentos em que se pronunciaram os adeuses, em que os comboios partiram arrancando-me a mim, grande tola magnânima, do meu único reino.''
« & os homens graúdos a chorar - os ventos estão aqui ancorado & não se perturba estas lágrimas nem estes rios - não se toma banho em banheiras abandonadas mas mistura-se ervas eléctricas »
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 88
'' o Malcolm X Esquecido como um peixe apanhado''
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 88
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 84
«(...) & quero lá saber o que tu achas das minhas experiências - levas-te demasiado a sério - ainda vais arranjar uma úlcera & vais parar ao hospital - vão-te pôr numa enfermaria onde não podes receber visitas - vais passar-te da moleirinha - já não quero saber disso - estou tão farto das tuas regras & regulamentos que posso até nunca mais te falar - mas lembra-te de uma coisa, quando avalias uma peça de manteiga, estás a falar sobre ti mesmo, por isso o melhor é assinares o teu nome...vemo-nos, com sorte, no festival de bolos da sra. Keeler com estima Flutuador Limpa-Neves p.s. tu és meu amigo & estou a tentar ajudar-te»
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 83
sábado, 6 de janeiro de 2024
Morreu o bicho, acabou-se a peçonha
Presunção e água benta, cada qual toma a que quer
Não há mal que sempre dure, nem bem que não se acabe
I saw a dream last night Bright like a falling star. And the sources of light, Seemed so near, Yet so far. I thought i was in flight, Out where the planets are. Moving between day and night. Hear am I, There you are. Follow the Dancing Girl, Vision and embrace. Such an entrancing girl, She moves with such rhythm and grace. Who can she be? Follow the Dancing Girl, Go to the quiet place. Here in the weary world, Somewhere between time and space. We shall be free.
Each of us is born alone. Well welcome to the twilight zone. You can leave with only what you bring. Things we cannot see appear. Singing songs we cannot hear. An everything is surely everything. Meanwhile in the ghettos dust and gloom. Bird is blowin in his room. All those noteswont take the pain away. And you'll surely come to harm, With that needle all up in your arm. And dope will never turn the night to day.
Just a little further down the line. Baby sister its these streets at night. I say the wind blows chilly, And the women need new shoes.
So just tell her, Tell her what you wanna do. Boogie, bop or boogalo? I said tell her what you wanna do Boogie, bop or boogaloo? I said tell her, tell her What you wanna do. Boogie, bop or boogaloo?
terça-feira, 2 de janeiro de 2024
« (...) hás-de pisar-te a ti mesmo todas as pessoas que enganas hão-de levantar-te ! não tens resposta! sem essa coisa, haverias de murchar até não seres nada - tens medo de não ser nada - estás enrolado nessa coisa - ela apanhou-te! » estou tão Farto de pessoas Bíblicas - são como óleo de rícino - como a raiva & agora desejo os Teus olhos - tu que não conversas sobre nenhum assunto & alimentas o meu pensamento de vazio QUIERO TUS OJOS & o teu riso & a tua escravidão...»
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 74
'' tu que não procuras motivos para a tua tortura''
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 73
«roubou o nome da minha mãe - deixou-me para lá a sofrer»
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 72
'' - não sejas um conformista - esquece lá as canções do mar ''
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 72
Homens que são como casas saqueadas Que são como sítios fora dos mapas Como pedras fora do chão Como crianças órfãs Homens sem fuso horário Homens agitados sem bússola onde repousem / Homens que são como fronteiras invadidas Que são como caminhos barricados Homens que querem passar atalhos sufocados Homens sulfatados por todos os destinos Desempregados das suas vidas / Homens que são como a negação das estratégias Que são como os esconderijos dos contrabandistas Homens encarcerados abrindo-se com facas / Homens que são como danos irreparáveis Homens que são sobreviventes vivos Homens que são como sítios desviados Do lugar
Daniel Faria nasceu a 10 de Abril de 1971 em Baltar, Paredes. Licenciou-se em Teologia na Universidade Católica Portuguesa. A tese foi publicada em 1999: “A vida e conversão de Frei Agostinho: entre a aprendizagem e o ensino da Cruz”. Obteve a licenciatura em Estudos Portugueses, na Faculdade de Letras do Porto (1998). Recebeu vários prémios literários relativos a inéditos de poesia e conto. De entre os seus escritos dispersos incluem-se “Oxálida” (1992), “A casa dos Ceifeiros” (1993), “Explicação das árvores e de outros animais” (1998) e “Homens que são como lugares mal situados” (1998). Colaborou nas revistas “Atrium”, “Humanística e Teologia”, “Via Spiritus” e “Limiar”. Claramente vocacionado para as áreas da expressão artística, fez memoráveis trabalhos no domínio da encenação. Quando faleceu, a 9 de junho de 1999 era noviço no Mosteiro de Singeverga.
«(...), estou a safar-me, tenho uma canção nova contra os isqueiros. uma empresa de carteira de fósforos ofereceu-me fósforos de graça até ao fim da minha vida, mais uma fotografia minha em todas as carteiras de fósforos, mas sabes como eu sou, era preciso muito mais do que isso para eu me vender - »
Bob Dylan. Tarântula. Tradução de Vasco Gato. Relógio D'Água Editores, 2016., p. 56
Olha o sol que vai nascendo anda ver o mar Os meninos vão correndo ver o sol chegar Menino sem condição irmão de todos os nus Tira os olhos do chão vem ver a luz Menino do mal trajar um novo dia lá vem Só quem souber cantar vira também Negro bairro negro bairro negro Onde não há pão não há sossego Menino pobre o teu lar Queira ou não queira o papão Há-de um dia cantar esta canção Olha o sol que vai nascendo anda ver o mar Os meninos vão correndo ver o sol chegar Se até da gosto cantar se toda a terra sorri Quem te não há-de amar menino a ti Se não é fúria a razão Se toda a gente quiser Um dia hás-de aprender haja o que houver Negro bairro negro bairro negro Onde não há pão não há sossego Menino pobre o teu lar Queira ou não queira o papão Há-de um dia cantar esta canção
"A minha fotografia é muito mais uma vivência, e retrata situações que estou a pensar ou a elaborar, a procurar solução para problemas. É a perspetiva de quem vê. Isso é importante e vai mudando, com o que vai acontecendo"
“As imagens retratam o processo de uma decisão e o prazer de fumar o que será o último cigarro terminando com a beata morta no cinzeiro. The Last Cigarette representa o optimismo de acreditar na força de vontade e que uma decisão uma vez tomada não admite retorno.”
«E, eu, em que estado me encontra- va? Não estava como uma lira quebra- da? Ainda soltava alguns sons, mas eram sons de morte. Tinha cantado o meu sombrio canto de cisne! Gostaria de ter feito uma coroa funerária, mas apenas tinha flores de Inverno.»
Byung-Chul Han. Louvor da Terra. Tradução de Miguel Serras Pereira. Relógio D' Água. 2020., p. 70
Segundo Walter Benjamin, o que caracteriza o verdadeiro colecionador é uma estupefação perante as coisas, ou seja, essa capacidade de inspiração que precede a posse: ''Assim que [o colecionador] tem [as coisas] nas suas mãos, parece inspirado por elas, parece olhar através delas na direção da sua distância, como se fosse um mago.''
Byung-Chul Han. Louvor da Terra. Tradução de Miguel Serras Pereira. Relógio D' Água. 2020., p. 70