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domingo, 29 de abril de 2012

BAGAÇO EM SETEMBRO

As manhãs passam claras e desertas
nas margens do rio que de madrugada se enevoa
e escurece o seu verde enquanto espera o sol.
O tabaco que vendem na última casa
ainda húmida, na orla dos prados, tem uma cor
quase negra e um sabor sumarento: o fumo é azulado.
Também têm bagaço, da cor da água.
 
Chegou o momento em que tudo pára
e amadurece. As árvores ao longe estão quietas:
tornaram-se mais escuras. Escondem frutos
que ao mínimo abanão cairiam. As nuvens esparsas
têm uma polpa madura. Ao longe, nas avenidas,
todas as casas amadurecem à calidez do céu.
 
A esta hora só se vêem mulheres. As mulheres não fumam
e não bebem, sabem simplesmente estar ao sol
e recebê-lo tépido, como se fossem frutos.
O ar, cru por causa da névoa, bebe-se aos golos
como bagaço, todas as coisas exalam um sabor a bagaço.
Até a água do rio bebeu as margens
e macera-as no fundo, sob o céu. As ruas
são como as mulheres, amadurecem paradas.
 
A esta hora todos devíamos parar
na rua e ver como tudo amadurece.
Há até uma brisa que não altera as nuvens,
mas que basta para dirigir o fumo azulado
sem o romper: é um novo sabor que passa.
E o tabaco impregnou-se de bagaço. E assim as mulheres
não serão as únicas a gozar a manhã.
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 163-165
                                        «O rio corre tranquilo,
mas os pássaros fazem-no espumar.»
 
 
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 139

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi -
questa morte che ci accompagna
dal mattino alla sera, insonne,
sorda, come un vecchio rimorso
o un vizio assurdo. I tuoi occhi
saranno una vana parola,
un grido taciuto, un silenzio.
Così li vedi ogni mattina
quando su te sola ti pieghi
nello specchio. O cara speranza,
quel giorno sapremo anche noi
che sei la vita e sei il nulla
Per tutti la morte ha uno sguardo.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Sarà come smettere un vizio,
come vedere nello specchio
riemergere un viso morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
Scenderemo nel gorgo muti.
«Nada mais há a fazer do que olhar para aquela brancura maligna
por baixo da negra canícula e esperar que chova.»
 
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 131
 
«Podemos encontrarmo-nos, querendo.»
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 115

''a chuva cicia''

«Jazíamos cansados na humidade
dos dois corpos, adormecidos um sobre o outro.»
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 113
«Chove sem ruído no prado do mar.»
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 97

quarta-feira, 25 de abril de 2012

NOCTURNO

A colina é nocturna, no céu claro.
Nela se enquadra a tua cabeça, que mal se move
e acompanha o céu. És como uma nuvem
entrevista pelos ramos. Ri-se-te nos olhos
a estranheza dum céu que não é o teu.
 
A colina de terra e folhas encerra
com a sua negra massa o teu olhar vivo,
a tua boca tem a prega duma doce cavidade
no meio das encostas distantes. Pareces brincar
à grande colina e à claridade do céu:
para me dares prazer, repetes a paisagem antiga
e torna-la mais pura.
 
                                    Mas vives noutro lugar.
O teu terno sangue fez-se noutro lugar.
As palavras que dizes não têm comparação
com a tristeza áspera deste céu.
És apenas uma nuvem dulcíssima, branca,
que uma noite ficou presa nos ramos antigos.
 
 
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 81

domingo, 22 de abril de 2012

 
«                (é presico tempo
para que o sol e a chuva sepultem os mortos)»
 
 
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 59

O DEUS-CABRÃO

O campo é um país de verdes mistérios
para o rapazinho que vem passar o Verão. A cabra, se come
dumas flores, incha-lhe a barriga e não pára de correr.
Quando o homem gozou com uma rapariga
-têm pelos em baixo - o bebé incha-lhe  a barriga.
Enquanto guardam as cabras, armam-se em fortes e troçam uns dos outros,
mas, ao cair da noite, cada um começa a olhar por cima do ombro.
Os rapazes sabem ver se a cobra passou ali
pelo rastro sinuoso que deixa na terra.
Mas se a cobra passou no meio da erva
ninguém a vê. São as cabras que se plantam
na erva por cima da cobra e que gozam deixando-se chupar.
As raparigas também gozam quando se deixam tocar.
 
Quando a lua aparece, as cabras nunca mais param quietas,
é preciso arrebanhá-las e tocá-las para casa,
senão empina-se o cabrão. Dá um salto no meio do prado,
esventra as cabras todas e desaparece. Com os calores, as raparigas
metem-se pelos bosques dentro, sozinhas, de noite,
e o cabrão, se balem deitadas na erva, vem a correr ter com elas.
Mas a lua que desponte: empina-se e esventra-as.
E as cadelas que ladram à lua
é porque sentiram o cabrão aos saltos
no alto dos montes e farejaram o cheiro do sangue.
E os animais agitam-se dentro das cortes.
Somente os mantins mais fortes roem a corda com os dentes
e um deles solta-se e corre atrás do cabrão
que o salpica e embebeda com um sangue mais vermelho que o fogo,
e depois dançam todos, de pé nas patas traseiras e a ulular à lua.
 
Quando de manhã o canzarrão regressa pelado e a rosnar,
os aldeãos chegam-no à cadela à força de pontapés no traseiro.
E à rapariga que vagueia ao lusco-fusco e aos rapazes que regressam
já noite cerrada com uma cabra perdida dão-lhe cachaços.
Emprenham as mulheres os camponeses e derreiam-se sem con-
                                                                                               templações.
Andam sempre fora, dum lado para o outro, de dia e de noite,
                                                                                    e não têm medo
de ir cavar mesmo à luz da lua ou de acender uma fogueira
de gravetos no escuro. Por isso a terra verde
é tão bela e, sachada, tem as cores,
ao romper do dia, dos rostos dourados pelo sol. Vai-se para a vin-
                                                                                                    dima
 
e come-se e canta-se; na desfolhada
dança-se e bebe-se. Ouvem-se raparigas a rir-se
pois alguém falou no cabrão. Lá em cima, nos bosques,
entre as cristas pedregosas, os aldeãos viram-no:
procurava a cabra e dava marradas nos troncos das árvores.
Porque, quando um animal não sabe trabalhar
e só serve para a cobrição, tem prazer em destruir.
 
 
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 43-45
«(...) quando o sol
nascia já o dia era velho para eles.»
 
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 31
''Um perfume de terra e vento envolve-nos na escuridão,''
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 29

''Os desesperados morrem assim.''

Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 29

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

20 de Janeiro ou 30 anos

A tua idade enche-me de medo
defende-te e acusa-me.
ignoras o vento da tormenta
com o seu fardo, mas paira sobre ti
o favor de uma musa que volto a encontrar
no rosto. Ao acaso iremos traduzir
amanhã alguns versos de Emily
em conjunto. E virás
com o teu casacão azul-cobalto.
Alma viva, sabes dar-me vida
a mim que ignoro e ando às cegas
num tempo que voa
com os teus trinta anos.





Eugenio Montale. Poesia. Selecção, tradução, prefácio e notas de José Manuel de Vasconcelos. Assírio&Alvim, Lisboa, 2004., p. 325

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Cedo ou Tarde

Desde criança acreditei que não é o homem
que se move mas o cenário, a paisagem.
Foi quando, imóvel, vi desenrolar-se
o lago de Lugano, no vaudeville
de um tal Dall ' Argine que provavelmente
em homenagem a si mesmo, nomen omen,
não deixou nunca a margem. Depois dei-me conta
do meu pueril engano e agora sei
que volante ou pedestre, estase ou movimento
em nada diferem. Há quem goste de
beber a vida gota a gota ou a jorros;
mas a garrafa é a mesma, não se pode
enchê-la quando se esvazia.



Eugenio Montale. Poesia. Selecção, tradução, prefácio e notas de José Manuel de Vasconcelos. Assírio&Alvim, Lisboa, 2004., p. 291

A forma do mundo

Se o mundo tem a estrutura da linguagem
e a linguagem tem a forma da mente
a mente com os seus cheios e os seus vazios
é nada ou quase nada e não nos tranquiliza.

Assim falou Papirio. Estava já escuro
e chovia. Vamos para um sítio seguro
disse e apressou o passo sem se aperceber
que falava a linguagem do delírio.





Eugenio Montale. Poesia. Selecção, tradução, prefácio e notas de José Manuel de Vasconcelos. Assírio&Alvim, Lisboa, 2004., p. 281

sobre a felicidade


«Tem um preço demasiado alto, não é para nós e quem a tem
não sabe o que fazer com ela.»


Eugenio Montale. Poesia. Selecção, tradução, prefácio e notas de José Manuel de Vasconcelos. Assírio&Alvim, Lisboa, 2004., p. 255
«Chove
de um céu que não tem
nuvens.»




Eugenio Montale. Poesia. Selecção, tradução, prefácio e notas de José Manuel de Vasconcelos. Assírio&Alvim, Lisboa, 2004., p. 247

domingo, 20 de novembro de 2011

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