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terça-feira, 24 de novembro de 2009

I

Tenho uma pele cor de fumo avermelhado, cor de mulo,
tenho um chapéu de miolo de sabugueiro coberto de tela
branca.
Meu orgulho é que a minha filha seja belíssima quando dê
ordens às mulheres negras,
minha alegria, que ela desnude um braço branquíssimo entre
suas galinhas negras,
e não se envergonhe de minha bochecha rude sob a barba,
quando volto a casa enlameado.

*

E primeiro lhe dou meu chicote, minha cabaça e meu chapéu.
Sorrindo, ela desculpa-me a cara encharcada; e leva ao rosto
minhas mãos, que engordurei provando a amêndoa de cacau,
o grão de café.
E depois ela me traz um lenço de cabeça farfalhante; e minha
roupa de lã; água pura para limpar meus dentes de silencioso:
e a água de minha bacia lá está; e escuto a água do tan-
que na cabana da água.

*

Um homem é duro, sua filha é doce. Que elas se encontre
sempre,
ao voltar ele, no mais alto degrau da casa branca,
e livrando seu cavalo do aperto dos joelhos,
ele esquecerá a febre que repuxa toda a pele do rosto para
dentro.

*

Gosto também de meus cães, do apelo de meu melhor cavalo,
e de ver no extremo da reta alameada meu gato sair de casa
em companhia da macaca...
coisas essas suficientes para não invejar as velas dos veleiros
que percebo no alto do teto de zinco sobre o mar, como um
céu.


Saint-John Perse
in Obra Poética
Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1973
Trad. Darcy Damasceno
'Durante uma excursão ao Potomac, no decorrer de uma conversa com Aristide Briand e, como que justificando pelo seu amor da natureza a sua aversão pelo papel impresso, pronuncia (...):
«Um livro é a morte de uma árvore.» ' (pp.29)


Saint-John Perse
in Obra Poética
Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1973
Trad. Darcy Damasceno

VI

Palmeiras!
e contra a crepitante casa tantas lanças de chama!

...As vozes eram um ruído luminoso e sotavento...O barco
de meu pai, diligente, conduzia grandes figuras brancas: talvez,
em suma, Anjos despenteados; ou talvez homens sadios, vestidos
de belo pano, capacetes de sabugueiro ( e assim meu pai, que foi
nobre e decente).

...Pois de manhã, pelos campos pálidos da Água nua, ao
longo do Oeste,vi andarem Príncipes e seus Genros, homens de
alta estirpe, bem vestidos e calados, que o mar antes do meio-dia é
um Domingo em que o sono tomou o corpo de um Deus,
dobrando as pernas.

E tochas ao meio-dia, se ergueram para minhas fugas,
E creio que Arcos, Salas de ébano e zinco iluminaram-se
todas as noites ao sonho dos vulcões,
na hora em que juntavam nossas mãos diante o ídolo em
traje de gala.
Palmeiras! e a doçura
de velhice nas raízes...! Os ventos alísios, os pombos trocazes
e a gata parda
esburacavam a amarga folhagem verde onde, na crueza de uma
noite com perfume de Dilúvio
as luas rosas e verdes inclinavam-se qual mangas.

...Já os tios falavam baixo a minha mãe. Haviam amarrado
seu cavalo à porta. E a casa durava, sob as árvores de plumas.

Saint-John Perse
in Obra Poética
Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1973
Trad. Darcy Damasceno
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