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domingo, 3 de junho de 2012



«Giulia

Então, ao menos, mata-me.


André, encolhendo os ombros com indeferença

Podes matar-te a ti mesma.»




Luigi Pirandello. O Torno in Teatro Contemporâneo. I antologia de teatro. Pirandello - Sartre - Anouilh - Arrabal - Brecht - Ionesco. Selecção de textos de Jacinto Ramos e Trad. de Virgínia Mendes. Editorial Presença, Lisboa, 1965., p. 52

                                                               Giulia

   «Fica a meio da sala com os olhos terrivelmente fixos num pensamento cruel.»




Luigi Pirandello. O Torno in Teatro Contemporâneo. I antologia de teatro. Pirandello - Sartre - Anouilh - Arrabal - Brecht - Ionesco. Selecção de textos de Jacinto Ramos e Trad. de Virgínia Mendes. Editorial Presença, Lisboa, 1965., p. 32

quarta-feira, 5 de outubro de 2011


«Ei-la, lá estava ela, lá estava ela, a Lua...Havia a Lua!, a Lua!
  E Ciàula pôs-se a chorar, sem dar por isso, sem querer, pelo grande conforto, pela grande doçura que sentia ao descobri-la, enquanto ela subia no céu com o seu amplo véu de luz, ignorando os montes, as planícies, os vales que iluminava, ignorando-o a ele, que no entanto por causa dela não sentia já medo, nem se sentia cansado, na noite agora cheia do seu espanto.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 210

«Coisa estranha; Ciàula não tinha medo da treva lodosa das galerias profundas, onde a cada volta estava a morte emboscada; nem tinha medo das sombras monstruosas que as lanternas provocavam em solavancos ao longe das galerias, nem do súbito chispar de m reflexo avermelhado aqui e além numa poça, dentro de um lençol de água sulfúrea: sabia sempre onde estava; tocava com a mão à procura de apoio as entranhas da montanha: e dentro dela estava cego e seguro como dentro do ventre materno.
   Tinha medo, porém, do escuro vazio da noite.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 207
«Como é belo ver de longe, no meio das trevas da noite, aqui e além, uma aldeia iluminada!»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 198

Tinha já quarenta e sete anos

«Tinha já quarenta e sete anos, e o espírito tornara-se-lhe profundamente melancólico por causa de toda aquela guerra de ódios e invejas.
   Como um animal ferido numa caçada feroz e abrigado num covil desconhecido, assim ele lançava olhares para todos os lados, desconfiado e espantadiço.»




Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 168

terça-feira, 4 de outubro de 2011


« - O senhor não tenha medo. Eu vou à frente; venha atrás de mim, devagarinho, com muito cuidado.
    Por sorte a escuridão era completa! Olhos que não vêem, coração que não sente.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 154
«Mutilar a montanha; abater as árvores para construir casas. Mais casas, ali, naquela vila alpestre. Privações, fadigas, trabalhos de todo o género, para quê?, para ter uma chaminé e dessa chaminé fazer sair um pouco de fumo, logo disperso no vazio do espaço?»




Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 128

Nuvens e vento.


«Não ter mais consciência de existir, igual a uma pedra, a uma planta; não recordar sequer o próprio nome; viver por viver, sem saber que se vive, como os animais, como as plantas; sem afectos, nem desejos, nem recordações, nem pensamentos; sem nada que desse sentido e valor à própria vida. Deitado ali na erva, com as mãos entrelaçadas debaixo da nuca, olhar no céu azul as brancas nuvens deslumbrantes, inchadas de sol; ouvir o vento que gerara nos castanheiros do bosque como que um fragor de mar, e na voz daquele vento e naquele fragor sentir, vinda de uma infinita distância, a vaidade de todas as coisas e o tédio angustioso da vida.
  Nuvens e vento.»


Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 127
«Todavia, é verdade que o corpo, quando o espírito se fixa numa dor profunda ou numa tenaz obstinação, deixa muitas vezes ficar assim o espírito fixado e, muito caladinho, sem lhe dizer nada, pôs-se a viver por sua conta, a gozar o bom ar e a comida sã.
   Assim aconteceu a Tommasino, que em breve se encontrou, quase por escárnio, enquanto o espírito mergulhava cada vez mais na melancolia e se subtilizava em desesperadas meditações, com um corpo bem nutrido e florescente, de abade.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 127
«Agora estava só, sem sequer uma criada em casa; só e devorado por uma ansiedade contínua, que lhe fazia cometer todas aquelas loucuras.
   Sabia-o, sim: tinha consciência das suas loucuras; cometia-as de propósito, para irritar as pessoas que, antes, quando era rico, tanto o tinham obsequiado e agora lhe voltavam as costas e riam dele. Todos, todos riam dele e dele fugiam; não havia um único homem que lhe quisesse prestar auxílio, que lhe dissesse: - Compadre, que anda a fazer?, venha cá: sabe trabalhar, sempre trabalhou honestamente; não faça mais loucuras; vamos lançar-nos os dois num bom empreendimento! - Nem um só.
    E a angústia, a roedura interior, naquele abandono, naquela solidão amarga e nua, cresciam e exasperavam-no cada vez mais.»




Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 115

Fogo à palha

« Não tendo mais ninguém a quem dar ordens, Simone Lampo adquirira o hábito de dar ordens a si próprio. E dava ordens de chicote na mão:
   -Simone, para aqui! Simone, para ali!
  Impunha-se de propósito, por despeito do seu estado, as tarefas mais ingratas. Fingia por vezes revoltar-se para se obrigar a obedecer, representando ao mesmo tempo os dois papéis da comédia. Dizia, por exemplo, enfurecido:
   - Não quero fazer isso!
   -Simone, dou-te uma carga de pau. Já te disse, recolhe aquele estrume! Ah, não?
   Pum! Aplicava em si mesmo uma valentíssima bofetada. E recolhia o estrume.»


Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 113

domingo, 25 de setembro de 2011

«E aquele sussurro contínuo do sonho ficara-lhe nos ouvidos...Ah, a febre! Tinha febre e tremia de frio.»




Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 69
«Eis senão quando, um dia, não teve forças para sair do casebre abandonado em que instalara o seu abrigo.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 68

«Ah, olha, olha a terra dava trigo!, era seu! E olhou à volta como que a defendê-lo: era seu!»

«Chegaram as primeiras águas, e o Giudé, ouvindo do seu abrigo nocturno marulhar a chuva, pensou que também naquele momento chovia sobre aquele seu pedaço de terra...Depois, com uma alegria que lhe punha lágrimas nos olhos, viu o grão germinar e surgir da terra húmida, tímidas, as primeiras espigas.Ah, olha, olha a terra dava trigo!, era seu! E olhou à volta como que a defendê-lo: era seu!»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 68

terça-feira, 20 de setembro de 2011

« E sinto náusea, horror, ódio por este homem que não sou eu, que nunca fui eu; por esta forma morta, de que sou prisioneiro e de que não posso libertar-me. Forma carregada de deveres que não sinto meus, oprimida por cuidados que não me importam nada, alvo de uma consideração com que nada tenho a ver; forma que é estes deveres, estes cuidados, esta consideração, fora de mim, acima de mim; coisas vazias, coisas mortas que pesam em cima de mim, me sufocam, me esmagam, e não me deixam respirar.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 56

Só podemos portanto ver e conhecer o que de nós está morto.

«Só se conhece quem consegue ver a forma que deu a si próprio, ou que os outros lhe deram, ou a sorte, ou as circunstâncias, ou as condições em que nasceu. Mas quando a podemos ver é sinal de que a nossa vida não está já dentro dessa forma; porque, se estivesse, não a veríamos; vivê-la-íamos sem a ver e morreríamos todos os dias dentro dela, que é já por si uma morte, sem a conhecer. Só podemos portanto ver e conhecer o que de nós está morto. Conhecer-se é morrer.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 55
«Quem vive, se vive, não se vê; vive...Se alguém vê a sua própria vida é sinal de que já não a vive; suporta-a, arrasta-a. Arrasta-a como uma coisa morta. Porque toda a forma é uma morte.»



Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 55

      «Os olhos fecharam-se-me a pouco e pouco, sem eu dar por isso, e continuei talvez no sono o sonho daquela vida que não nascera. Digo talvez, porque, quando despertei, todo dorido e com a boca amarga, ácida e árida, já próximo da chegada, achei-me de repente numa disposição completamente diferente, com uma sensação atrozmente nauseante da vida, numa tétrica e plúmbea estupefacção, na qual os aspectos das coisas habituais me apareceram como que vazios de todo o sentido, e no entanto de uma gravidade cruel, insuportável.»




Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 53
«(...) a recordação indistinta, não de actos, não de aspectos, mas quase de desejos dissipados antes de nascidos; juntamente com uma dor de não ser, angustiosa, vã, e no entanto cruel, aquela que sentem talvez as flores que não puderam desabrochar;»





Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 53
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