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domingo, 9 de outubro de 2011

XVII UM HEMISFÉRIO NUMA CABELEIRA

    «Deixa-me respirar por muito, muito tempo, o odor dos teus cabelos, mergulhar neles todo o meu rosto, como um homem sequioso na água duma nascente, e agitá-los com a mão como um lenço perfumado, para sacudir as recordações no ar.
     Se tu pudesses saber tudo o que eu vejo! tudo o que eu sinto! tudo o que eu ouço nos teus cabelos! Minha alma viaja sobre o perfume como a alma dos outros homens viaja sobre a música.
     Os teus cabelos contêm um sonho inteiro, cheio de velas e de mastros; contêm grandes mares cujas monções me levam para climas adoráveis, onde o espaço é mais azul e mais profundo, onde a atmosfera tem o perfume dos frutos, das folhas e da pele humana.
     No oceano da tua cabeleira, entrevejo um porto a formigar de canções dolentes, de homens vigorosos de todas as nações e navios de todas as formas recortando as arquitecturas finas e complicadas sob um céu imenso onde se pavoneia um calor eterno.
      Nas carícias da tua cabeleira, encontro os langores das longas horas passadas sobre um divã no camarote dum belo navio, embaladas pelo arfar imperceptível do porto, por entre os vasos de flores e as bilhas que refrescam a água.
      No lume ardente da tua cabeleira, respiro o odor do tabaco misturado com ópio e açúcar; na noite da tua cabeleira, vejo resplandecer o infinito do azul tropical; nas praias acetinadas da tua cabeleira, embebedo-me com os odores combinados de alcatrão, de musgo e de óleo de coco.
    Deixa-me morder longamente as tuas tranças pesadas e negras.
     Quando mordisco os teus cabelos elásticos e rebeldes, parece-me que devoro recordações.»




Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.49/50

sábado, 8 de outubro de 2011

Não lhe parece, minha senhora?

«Não lhe parece, minha senhora, que lhe deixo aqui um madrigal inteiramente digno de apreço, e tão pomposo como vós mesmas? E, em boa verdade, tive tanto prazer em abordar esta pretenciosa galantaria, que nada vos peço em troca.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.48
«Estava a partir sossegadamente o meu pão, quando um ruído muito leve me fez levantar os olhos. Diante de mim estava um pequeno ente andrajoso, negro, esgadelhado, cujos olhos cavos, bravios e como suplicantes, devoravam o meu pedaço de pão. E ouvi-o suspirar, numa voz baixa e rouca, a palavra: bolo! Não pude deixar de rir  ouvindo a designação com que ele queria honrar o meu pão quase branco, e parti para ele um bom pedaço que lhe estendi. Lentamente, foi-se aproximando, sem tirar os olhos do objecto da sua cobiça: depois, agarrando o pedaço de pão, recuou bruscamente, como se temesse que a minha oferta não fosse sincera ou que dela já me tivesse arrependido.»





Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.45

sexta-feira, 15 de julho de 2011


 «(...)conhecerás o prazer, ininterruptamente
renovável, de sair de ti mesmo para te esqueceres em
outrem, e de atrair as outras almas até confundi-las com a
tua.»



Charles Baudelaire. Pequenos Poemas em Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p. 59-60.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Plonger ao fond du gouffre, Enfer ou Ciel, qu'importe?
Au fond de l'Inconnu pour trouver du nouveau!

Baudelaire

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

«E, ao regressar, obsediado por essa visão, eu procurava analisar a minha dor súbita, e disse comigo: «Acabo de ver a imagem do velho homem de letras que sobreviveu à geração de que foi brilhante animador; do velho poeta sem amigos, sem família, abatido pela miséria e pela ingratidão pública, e em cuja barraca o mundo ingrato não mais quer entrar!»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.43

    «Um olhar experimentado nunca se engana ali. Nesses traços, rígidos ou abatidos; nesses olhos profundos e ternos, ou brilhantes dos últimos relâmpagos da luta, nessas rugas fundas e numerosas, nesses passos tão lentos ou tão sacudidos, ele decifra imediatamente as inúmeras legendas do amor enganado, da devoção mal correspondida, dos esforços recompensados, da fome e do frio humildemente, silenciosamente suportados.»


Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.37/8
     «Aquilo a que chamam amor é bem pequeno, bem restrito, e bem fraco, comparado à inefável orgia, à santa prostituição da alma que se dá toda inteira, em poesia e caridade, ao imprevisto que se mostra, ao desconhecido que passa.
      É bom ensinar por vezes aos felizes deste mundo, nem que seja só para os humilhar um instante no seu estúpido orgulho, que há felicidades superiores às deles, mais vastas e mais delicadas. Os fundadores das colónias, os pastores de povos, os padres missionários exilados no fim do mundo, conhecem sem dúvida qualquer coisa destas misteriosas ebriedades; e, no seio da vasta família que o seu génio constituiu, devem rir-se algumas vezes daqueles que os lamentam pela sina tão revolta e pela vida tão casta.»


Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.36
«O poeta goza do incomparável privilégio de poder à sua vontade ser ele próprio ou outra pessoa. Como as almas errantes que procuram um corpo, insere-se, quando lhe apraz, na personagem de cada um. Para ele só, tudo está de vago; e se certos lugares parecem estar-lhe vedados, é que a seus olhos não valem a pena visitar-se.»


Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.35

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

«Decididamente, minha amiga, maças-me sem dó nem piedade; dir-se-ia, ao ouvir-te suspirar, que sofres mais que as sexagenárias que respingam o restolho das searas e do que as velhas mendigas que apanham migalhas de pão à porta das tabernas.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 32

Sou o último e o mais solitário dos homens

«(...), todo encolhido contra o pedestal, levanta os olhos cheios de lágrimas para a imortal Divindade.
    E os seus olhos dizem: - «Sou o último e o mais solitário dos homens, privado do amor e da amizade, e nisto bem inferior ao mais imperfeito dos animais. E todavia sei-me capaz, eu também, de compreender e sentir a Beleza imortal! Ah! Deusa! tende piedade da minha tristeza e do meu delírio!»
    Mas a Vénus implacável olha não sei para quê de longínquo com os seus olhos de mármore.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.24

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

«E agora a profundeza do céu consterna-me; a sua limpidez exaspera-me. A insensibilidade do mar, a imutabilidade do espectáculo, revoltam-me...Ah! será preciso sofrer eternamente, ou fugir eternamente do belo?
   Natureza, feiticeira sem piedade, rival sempre vitoriosa, deixa-me! Cessa de provocar os meus desejos e o meu orgulho! O estudo da beleza é um duelo em que o artista grita de pavor antes de ser vencido.»


Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.14
«(...) todas estas coisas pensam através de mim, ou eu através delas (pois na grandeza do sonho, o eu perde-se depressa!);»


Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.13

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

«O semblante do primeiro Satã era de um sexo ambíguo, e havia
nas linhas do seu corpo a molície dos antigos Bacos. Os belos
olhos lânguidos, de cor tenebrosa e indecisa, assemelhavam-se
a violetas carregadas, ainda, das pesadas lágrimas da
tempestade(...).
Fitou-me com os seus olhos inconsolavelmente aflitos (...) e
disse-me em voz cantante:
– Se quiseres, se quiseres, eu te farei o soberano das almas, e tu
serás o senhor da matéria viva, ainda mais do que o escultor o
pode ser da argila; e conhecerás o prazer, ininterruptamente
renovável, de sair de ti mesmo para te esqueceres em
outrem, e de atrair as outras almas até confundi-las com a
tua.»


Charles Baudelaire. Pequenos Poemas em Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p. 59-60.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

domingo, 20 de junho de 2010

“dois soberbos Satãs e uma Diaba, não menos extraordinária”

« (...)nas linhas do seu corpo a molície dos antigos Bacos. Os belos
olhos lânguidos, de cor tenebrosa e indecisa, assemelhavam-se
a violetas carregadas, ainda, das pesadas lágrimas da
tempestade(...).
Fitou-me com os seus olhos inconsolavelmente aflitos (...) e
disse-me em voz cantante:
– Se quiseres, se quiseres, eu te farei o soberano das almas, e tu
serás o senhor da matéria viva, ainda mais do que o escultor o
pode ser da argila; e conhecerás o prazer, ininterruptamente
renovável, de sair de ti mesmo para te esqueceres em
outrem, e de atrair as outras almas até confundi-las com a
tua. »



Charles Baudelaire. Pequenos Poemas em Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p. 59-60.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Um hemisfério numa cabeleira

Deixa-me respirar longamente, longamente, o aroma dos teus
cabelos, neles mergulhar todo o meu rosto, como um homem se-
dento na água de uma nascente, e agitá-los na minha mão como
um lenço aromático, para sacudir recordações no ar.
Se pudesses saber tudo aquilo que eu vejo! tudo aquilo que eu
sinto!tudo aquilo que ouço nos teus cabelos! A minha alma viaja por
sobre o perfume como a alma dos outros homens sobre a música.
Os teus cabelos levam um sonho inteiro, cheio de velames e de
mastreações; levam grandes mares de monções que me transportam
para encantadores climas,onde o espaço é mais azul e mais profundo,
de atmosfera perfumada pelos frutos, pelas folhas da pele humana.
No oceano da tua cabeleira, avisto um porto irrompendo em
cantos melancólicos, homens vigorosos de todas as nações e navios
de todos os formatos recortando arquitecturas finas e complicadas
num céu imenso em que preguiça o eterno calor.
Nas carícias da tua cabeleira, reencontro as demoras das longas
horas passadas num divã. no quarto de um belo navio, embaladas
pelo rolar imperceptível do porto, entre os vasos de flores e os cân-
taros refrescantes.
No lar ardente da tua cabeleira, respiro o aroma do tabaco
mesclado em ópio e açúcar; na noite da tua cabeleira, vejo resplan-
descer o infinito do horizonte tropical; nas margens sedosas da tua
cabeleira embriago-me com os aromas misturados do almíscar, do
alcatrão e do óleo de coco.
Deixa-me morder demoradamente as tuas tranças pesadas e ne-
gras. Quando mordisco os teus cabelos elásticos e rebeldes, julgo estar
a mastigar recordações.

Charles Baudelaire(1821-1867) in Rosa Do Mundo 2001 poemas para o futuro
2. ed. Assírio & Alvim, 2001)
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