«Estava a partir sossegadamente o meu pão, quando um ruído muito leve me fez levantar os olhos. Diante de mim estava um pequeno ente andrajoso, negro, esgadelhado, cujos olhos cavos, bravios e como suplicantes, devoravam o meu pedaço de pão. E ouvi-o suspirar, numa voz baixa e rouca, a palavra: bolo! Não pude deixar de rir ouvindo a designação com que ele queria honrar o meu pão quase branco, e parti para ele um bom pedaço que lhe estendi. Lentamente, foi-se aproximando, sem tirar os olhos do objecto da sua cobiça: depois, agarrando o pedaço de pão, recuou bruscamente, como se temesse que a minha oferta não fosse sincera ou que dela já me tivesse arrependido.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.45
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