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terça-feira, 11 de outubro de 2011


«Há mulheres que inspiram o desejo de vencer ou de as gozar, mas esta provoca o desejo de se morrer lentamente sob o seu olhar.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 111
«Compará-la-ia a um sol negro, se pudéssemos conceber um astro negro derramando luz e felicidade.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 110

XXXIII EMBRIAGA-TE


      «Devemos andar sempre bêbedos. Tudo se resume nisto: é a única solução. Para não sentires o tremendo fardo do Tempo que te despedaça os ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar.
        Mas com quê? Com vinho, com poesia ou com a virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te.
        E se alguma vez, nos degraus dum palácio, sobre as verdes ervas duma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a embriaguez já atenuada ou desaparecida. pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo, o que se passou, a tudo o que gemeu, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunta-lhe que horas são: « São horas de te embriagares! Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, embriaga-te, embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a teu gosto.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 105
''As dores mais terríveis são silenciosas.''



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 96

As ilusões


«As ilusões - dizia o meu amigo - são talvez tão inumeráveis como as relações dos homens entre si, ou dos homens com as coisas. E quando a ilusão desparece, quer dizer, quando nós vemos o ser ou o facto tal como ele existe fora de nós, experimentamos um sentimento bizarro, complicado em metade pelas saudades do fantasma desaparecido, em metade pela surpresa agradável ante o novo, ante o facto real.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 92
«Sim, tem razão; não há prazer mais doce do que o de surpreender um homem dando-lhe mais do que ele espera.»


Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 86

domingo, 9 de outubro de 2011

«Voltei os olhos para os teus, minha bem-amada, para neles ler o meu pensamento; e mergulhei nos teus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos teus olhos verdes, habitados pelo capricho e inspirados pela Lua, quando tu disseste: «Essa gente é-me insuportável com os seus olhos abertos como portas de cocheiras! Não podias pedir ao chefe dos criados para os afastar daqui?»
   Como é difícil o entendimento mútuo, meu querido anjo, e como o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam!»


Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 78

«Os cançonetistas dizem que o prazer torna a alma boa e abranda o coração.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 77

''no luto profundo da Noite''

XVII UM HEMISFÉRIO NUMA CABELEIRA

    «Deixa-me respirar por muito, muito tempo, o odor dos teus cabelos, mergulhar neles todo o meu rosto, como um homem sequioso na água duma nascente, e agitá-los com a mão como um lenço perfumado, para sacudir as recordações no ar.
     Se tu pudesses saber tudo o que eu vejo! tudo o que eu sinto! tudo o que eu ouço nos teus cabelos! Minha alma viaja sobre o perfume como a alma dos outros homens viaja sobre a música.
     Os teus cabelos contêm um sonho inteiro, cheio de velas e de mastros; contêm grandes mares cujas monções me levam para climas adoráveis, onde o espaço é mais azul e mais profundo, onde a atmosfera tem o perfume dos frutos, das folhas e da pele humana.
     No oceano da tua cabeleira, entrevejo um porto a formigar de canções dolentes, de homens vigorosos de todas as nações e navios de todas as formas recortando as arquitecturas finas e complicadas sob um céu imenso onde se pavoneia um calor eterno.
      Nas carícias da tua cabeleira, encontro os langores das longas horas passadas sobre um divã no camarote dum belo navio, embaladas pelo arfar imperceptível do porto, por entre os vasos de flores e as bilhas que refrescam a água.
      No lume ardente da tua cabeleira, respiro o odor do tabaco misturado com ópio e açúcar; na noite da tua cabeleira, vejo resplandecer o infinito do azul tropical; nas praias acetinadas da tua cabeleira, embebedo-me com os odores combinados de alcatrão, de musgo e de óleo de coco.
    Deixa-me morder longamente as tuas tranças pesadas e negras.
     Quando mordisco os teus cabelos elásticos e rebeldes, parece-me que devoro recordações.»




Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.49/50

sábado, 8 de outubro de 2011

Não lhe parece, minha senhora?

«Não lhe parece, minha senhora, que lhe deixo aqui um madrigal inteiramente digno de apreço, e tão pomposo como vós mesmas? E, em boa verdade, tive tanto prazer em abordar esta pretenciosa galantaria, que nada vos peço em troca.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.48
«Estava a partir sossegadamente o meu pão, quando um ruído muito leve me fez levantar os olhos. Diante de mim estava um pequeno ente andrajoso, negro, esgadelhado, cujos olhos cavos, bravios e como suplicantes, devoravam o meu pedaço de pão. E ouvi-o suspirar, numa voz baixa e rouca, a palavra: bolo! Não pude deixar de rir  ouvindo a designação com que ele queria honrar o meu pão quase branco, e parti para ele um bom pedaço que lhe estendi. Lentamente, foi-se aproximando, sem tirar os olhos do objecto da sua cobiça: depois, agarrando o pedaço de pão, recuou bruscamente, como se temesse que a minha oferta não fosse sincera ou que dela já me tivesse arrependido.»





Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.45
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