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domingo, 9 de março de 2014

VILANCETE CASTELHANO DE GIL VICENTE


Por mais que nos doa a vida
nunca se perca a esperança;
a falta de confiança
só da morte é conhecida.
Se a lágrimas for cumprida
a sorte, sentindo-a bem,
vereis que todo o mal vem
achar remédio na vida.
E pois que outro preço tem
depois do mal a bonança,
nunca se perca a esperança
enquanto a morte não vem.


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 143
«É cada dia um alentejo longo
longuíssimo de sede até ao céu:
quem de outono em outono te esqueceu,
planície do tempo desolada?»




Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 137

o desenho do voo antes das asas


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 99

«Andam os mortos enfeitando-se ao frio,
servindo-se das árvores para ter cabelos;
deslizam ao fulgor das estrelas, loiros, amarelos,
e fitam-se no tempo, ou no espelho dum rio?»



Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 99

Assim te leio longamente

''salgada memória das sereias''

''pátria do esquecimento''

«quando a sede põe a água num altar
e ajoelha como a um deus de lábios frios.»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 88

terça-feira, 4 de março de 2014

História de Inverno

A mulher de água
traz limos nas espáduas
Tem olhos de lagoa
e o corpo como um rio.

Traz musgo sobre os seios
e a sua voz dá frio,
o seu olhar magoa.

Mas não lhe sei o nome.

Estende os cabelos de água
no inverno dos meus olhos,
dorme na minha sorte
por toda a noite insone.

Faz um rumor de chuva,
tem um sabor de morte.

Mas não lhe sei o nome.


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 73

Elegia de Coimbra


Gela a lua de março nos telhados
e à luz adormecida
choram as casas e os homens
nas colinas da vida.

Correm as lágrimas ao rio,
a esse vale das dores passadas,
mas choram as paredes e as almas
outra dores que não foram perdoadas.

Aos que virão depois de mim
caiba em sorte outra herança:
o oiro depositado
nas margens da lembrança.




Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 57

3


Fosse outro o mundo e outra a comum  fortuna,
nunca as lágrimas comprado o pão da vida
e no estrume do coração colhida
fosse por fim achada a flor da sina:
seios, irmãos da concha dos dedos,
seria então a cor da minha oca o roxo em teus
                                                                                   [mamilos.
Mas assim, meu amor, pra que degredos
gerarias em carne a nossos filhos?
pra que fome de sonhos e ínvios trilhos?



Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 55

«vem, lume perdido
florir-me os olhos.»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 49

Cantiga do Ódio


O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 47

3

Quem soprou na gândara
a última chama?
Se quiseres, ó morte,
abro-te os lençóis
e dou-te a minha cama.

Vai meu coração
pelas aldeias moiras
onde pena e erra,
peregrinação
ao tojo da terra.

Caminheiro cansado
sem nenhum bordão,
onde houver um sonho
para ser sonhado
está meu coração.


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 43

domingo, 5 de janeiro de 2014

«sente-se a solidão, o peso,
minarem cada gesto; e antes
do gesto, a ideia de o fazer;»



Carlos de Oliveira. Trabalho poético. Sá da Costa Editora, 2ª Edição, Lisboa, 1982., p. 173
«(...)

                        , nenhum anjo sofreu
as leis reais do nosso peso; nem pode,
por isso, conhecer-nos.»




Carlos de Oliveira. Trabalho poético. Sá da Costa Editora, 2ª Edição, Lisboa, 1982., p. 160

III

Para haver rio
tem de haver
árvores duríssimas; sabor
de metal nos ramos; equilíbrio
no fogo: antes, depois
das trocas primitivas;
redes coando
como filtros
a consistência a transferir-se
a seiva neutra
donde nasce o álamo
de pedra; e a noite,
pedra também, mas rarefeita
na sua lactescência.




Carlos de Oliveira. Trabalho poético. Sá da Costa Editora, 2ª Edição, Lisboa, 1982., p. 157

Sobre o lado esquerdo

    «De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável.
       No segundo caso, o homem que não dorme pensa: « o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração»


Carlos de Oliveira. Trabalho poético. Sá da Costa Editora, 2ª Edição, Lisboa, 1982., p. 101

Fruto

 
    «Por um desvio semântico qualquer, que os filólogos ainda não estudaram, passámos a chamar manhã à infância das aves. De facto envelhecem quando a tarde cai e é por isso que ao anoitecer as árvores nos surgem tão carregadas de tempo.»




Carlos de Oliveira. Trabalho poético. Sá da Costa Editora, 2ª Edição, Lisboa, 1982., p. 99

   «Escrevo na madrugada as últimas palavras deste livro: e tenho o coração tranquilo, sei que a alegria se reconstrói e continua.»



Carlos de Oliveira. Trabalho poético. Sá da Costa Editora, 2ª Edição, Lisboa, 1982., p. 72
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