sábado, 27 de julho de 2013

A mulher muitas vezes avança
 
A mulher muitas vezes caminha pela borda
Do vestido. Pudesse tocar
A fímbria ou a franja de toda a casa
Ela a sararia. Ela sairia
Com o cabelo solto
 
Muitas vezes a mulher prende o cabelo com as mãos
Cose muitas vezes com a lâmpada por dentro - a agulha
A cerzir o brilho. A mulher remenda
A lâmpada apagada. Por dentro
O coração ponteia alguma luz
 
A vida roda, o vestido rompe-se
 
A mulher é um barco quando se afunda
A hélice gira - gera como planta
Em redor da luz. A mulher
Anda em redor como corola
Sem pólen
 
A azenha anda à volta na memória e a água corre-lhe
Dos olhos. Põe o coração para a frente como os fuzilados
Enxuga os olhos como se espalhasse. A mulher
Varre infinitamente mais do que o que vemos ou somos capazes de
                                                                                                  imaginar
 
E há imagens na terra
Que nunca lembram o céu
 
 
 
Daniel Faria. Poesia. Edição de Vera Vouga. Editora Quasi., p. 311
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