Agora és um animal que pensa
Amanhã um animal que dorme
Mas tens uma noite inteira para dormires do mesmo lado
Hoje és um dia que começa outra vez
Como se hoje pudesses plantar o dia que não acaba
Um animal que come a sombra diurna daquilo que é pensado
És um alimento
Agora és um alimento que dorme
Do mesmo lado da mão direita de quem colhe
Como se hoje pudesses plantar-te no que frutifica
E igualares-te no silêncio a uma pedra fechada
Uma pedra em sua natureza humilde de coisa que vive
Em seu mistério de coisa que sem sementes se propaga
Agora és um animal que se propaga no sono
Que pesa menos do que o sonho ou um pássaro
Um animal que se eleva em seu instinto de máquina
És agora uma máquina montada para a morte
Uma avaria dentro dela que lentamente desgasta.
E fabricas um homem que se afasta
Do mundo
Daniel Faria. Poesia. Edição de Vera Vouga. Editora Quasi., p. 138