domingo, 3 de julho de 2011

IV

    «Estava há mais de um quarto de hora com a caneta ao alto à espera de inspiração, batido por sentimentos contrários. O papel branco ofuscava-o; luz, coisas, bugigangas pareciam atentas ao que ia fazer e concordarem entre elas que não faria nada. O seu espírito não era poço vazio e com lodo no fundo a exalar miasmas, como lhe dissera certo foliculário, mas um armazém de salvados...Lá isso, sim, salvados de naufrágio. Seriam mais de dez da noite e ele continuava a passear o olhar indeciso pelos objectos, em cada um deixando um pensamento de melancolia: o retrato de Mónica tão altaneira na sua madrugada, os livros, os tristes livros para onde autores de que ninguém mais queria saber haviam despejado a pobre massa encefálica e o melhor do sangue, (...)»

 
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.83

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