quarta-feira, 18 de agosto de 2010

II morte de rimbaud dita em voz alta no coliseu de lisboa a 20 de novembro de 1996

(...)

« de nada me serviria inventar outra vez o rio das pala-
vras, de nada me serviria saber a geometria exacta dos cris-
tais, ou redesenhar o corpo e aperfeiçoá-lo.
fico assim, inerte, à beira da noite...olhando o bri-
lho da lua jorrando águas.

o regresso nunca foi possível.
o verdadeiro fugitivo não regressa, não sabe regressar.
reduz os continentes a distâncias mentais.
aprende a fala dos outros - e, por cima dele, as cons-
telações vão esboçando o tormentoso destino dos homens.

pressinto uma sombra a envolver-me. ouço músi-
cas...espirais de som subindo aos subúrdios da alma.
e acendo o lume das pirâmides, onde o tempo não
foi inventado, e renego a alegria.
não semearei o meu desgosto, por onde passar.
nem as minhas traições.



Al Berto. Horto de Incêndio. Assírio & Alvim. 3ª ed., 2000, Lisboa., p. 65

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