quarta-feira, 21 de julho de 2010

Santorim

Inclina-te, se podes, sobre o mar, obscuro, esquecendo
O som de uma flauta sobre pés desnudos
Que percorreram teu sono na outra vida, a devorada.

Sobre tua última concha, escreve, se podes,
O dia, o nome, o lugar
E lança-a ao mar, que ela desapareça.

Encontramo-nos desnudos sobre a pedra-pomes
Olhando as ilhas vermelhas mergulharem
No seu sono, em nosso sono.
Encontramo-nos desnudos, aqui, inclinando
A balança para a injustiça.

Tacão do vigor, querer sem falha, amor lúcido,
Desígnios que amadurecem ao sol do meio-dia,
Estrada do destino ao ruído da mão jovem golpeando as costas;
Nesse país que se rompeu, que não resiste mais,
Nesse país que outrora foi o nosso,
Ferrugem e cinza, as ilhas se devoram.

Altares destruídos
Amigos olvidados
Folhas de palmeiras na lama.

Deixa, se podes, que as tuas mãos viajem
Neste ângulo do tempo com o barco
Que tocou o horizonte.
Quando o dado bateu na eira,
Quando a lança feriu a couraça,
Quando o olho reconheceu o estrangeiro,
E se esgotou o amor
Em almas trespassadas;
Quando olhas à volta e encontras
Em tudo os pés ceifados
Em tudo as mãos inertes
Em tudo os olhos escurecidos;
Quando não há mais escolha, nem mesmo
A morte que desejavas tua,
Escutando algum grande grito,
O grito mesmo do lobo,
Teu débito;
Dexa que as tuas mãos viajem, se podes,
Separa-te do tempo enganador,
E abate-te
Como se abate aquele que leva as grandes pedras.



Giorgos Seferis. Poemas. Trad. de Darcy Damasceno. Estudo introdutivo de C. TH. Dimaras. Editora Opera Mundi. Rio de Janeiro, 1973., p. 97/8

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