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domingo, 23 de fevereiro de 2014

Ela queria amar.


«Ela queria amar. Incapaz de tolerar a frustração da idade e de tudo aquilo que a condenava e a excluía como objecto de amor, Maria Adelaide recorria a uma agressão destruidora que atingia o marido, os amigos, a sociedade denunciante. Mas, ao mesmo tempo que se sentia livre de amar, a violência das emoções despojava-a do sentimento do amor.»


Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 194

«Não se sente traído, quem ama não sente a traição, mas só tem o objectivo de recuperar a mulher ou o que dela resta.»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 193
«(...) Quando um homem dá importância a uma mulher toma este ar distraído.
     -O sentimento trágico é o que temos quando percebemos que os homens poderosos não estão preocupados com as decisões deles. Precisam de decidir rapidamente coisas que levariam muito tempo a reflectir. Se reflectissem eram filósofos e não políticos. Total: o sentimento trágico da vida é uma reacção pessoal.
    -As mulheres não têm reacções pessoais?
    -Elas não são pessoas, são um padrão.
    -Um padrão de quê?
    -De qualquer coisa. Estão sujeitas às escolas de charme desde que nasceram e acreditam que só isso as pode salvar.
    -Salvar de quê?
    -De tudo, absolutamente tudo. Da raiva e das verrugas. Dum marido chato e pobre e de filhos malcriados.»


Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 185

«Não a julgava capaz de se apaixonar, mas sim de ser impelida a agir pelas suas decepções acumuladas.»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 185

XL


« - Há gente muito bem caçada neste mundo! - dizia Francisco Freire. Com bem caçado queria dizer uma pessoa com o seu lado de originalidade que confinava com a loucura. Para um homem são do juízo (que é o mais desconcertante dos homens) um manicómio é um lugar onde se tratam os doentes mentais e, sobretudo, onde a família os deposita para tranquilizar dela própria e para que não estorvem os casamentos das meninas da casa. Um louco faz uma má impressão e não há muitos rapazes que aspirem à mão de uma jovem, por bonita e decente que ela seja, se um irmão incómodo entra na sala com um barrete, feito de jornal, na cabeça. Além disso, pode fazer coisas mais assustadoras e que não têm nada de hilariante; como pegar num machado da carvoeira e levantá-lo à altura dos olhos do aterrado pretendente. É certo que, se estivesse na cidade de Erewhon, isso seria prova de perfeito juízo, e o dito irmãozinho podia chegar a um alto posto na sociedade, inspector fiscal ou qualquer coisa assim. Há uma quantidade de empregos disponíveis para pessoas destas, empregos que, em geral, são ocupados por gente sorumbática e rotineira.  A propósito, alguém que é sorumbático tem muitas probabilidades de ser um louco perigoso. Maria Adelaide acusava o marido desse horrível defeito e recorria à genealogia dele para o comprovar. O pai e o avô do doutor Cunha eram tirânicos e desagradecidos com as mulheres. O avô chegou a ditar uma cláusula no testamento que o punha a salvo de ser enterrado junto da esposa. Amuavam frequentemente, mantendo-se calados durante dias e semanas. Um tio, que era mais fantasioso: apaixonou-se por uma espanhola que era artista ambulante e escrevia o nome dela nas paredes, e, cúmulo da insanidade, chegou a casar com ela. O doutor Egas Moniz tratara pelo menos uma prima de Alfredo da Cunha, e nessa família do Fundão havia casos de neurastenia delirante.»




Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 183/4

«(...) Sabia-se que para curar uma doença da alma era preciso ser-se filósofo. Sabia-se que a origem dessas doenças não era outra coisa senão um desejo violento por uma coisa que o doente encara como um bem. O dever do médico consistia em provar ao doente, por meio de sólidas razões, que aquilo que o doente deseja com tal ardor é um bem aparente. Ora, o paciente só parece curado quando o estado arcaico da sua natureza profunda é atingido pelo medo de ser expulso da terra da sua verdade imediata.»




Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 181/2
   «Há decisões irrevogáveis, são as que coincidem com a liberdade.

     Ninguém como a mulher preza a liberdade. O sucesso interessa-lhe menos do que ao homem e entende como vida agradável acreditar nos afectos. A literatura das mulheres não se desenvolveu tanto como quando nos anos 20 uma nova ambição ofusca o desejo do sucesso. É quando a forma de sentir do homem se aproxima da da mulher; ela tem prazer de resignação que nenhum outro iguala. É o sucesso que significa a perda da integridade e a desertificação do amor humano. Como Maria Adelaide descreve, a sua vida com Manuel parece-nos um pouco lírica. ''À tarde lia ao meu companheiro, ou ele lia a mim, livros dos melhores autores portugueses que por assinatura tínhamos conseguido de uma livraria de Lisboa.''»




Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 170
«Essa mulher, '' que vivia num museu que o seu coração transformara num lar'', descobria a veia teatral do seu temperamento. Não interpreta uma personagem, cria uma personagem.»



Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 168

Uma mulher medíocre


«Uma mulher medíocre é capaz de destruir um homem de talento sem lhe deixar senão os pés dentro das botas.»


Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 159

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

« - O dom com que se nasce, que pode deitar tudo a perder. Maria Adelaide nasceu com a virtude, o que na mulher é uma desgraça que nunca vem só. Havemos de conversar sobre isto.»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 146

« - Essa mulher precisava mais de Prozac do que dum amante (...)»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 145

«O que faz de si meu amigo verdadeiro é que inventa todas as maneiras de me contradizer. Obriga-me a pensar e dar luta.»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 143
« - E a Maria Adelaide quem era? A Mata-Hari que o repórter X levou ao cinema?
   - Era uma tola que sonhava com toleimas.»


Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 137

domingo, 16 de fevereiro de 2014


«Sentou-se na borda da cama, em silêncio, com aquela indiferença polida dos jovens que não sabem amar generosamente ninguém.»


Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 121

«(...) guardavam um ódio no peito como se fosse uma jóia de estimação.»


«E acabava sempre com aquele soluço na garganta, um desejo de amor que a fazia pálida e distraída e cansada.»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 112/3


«Para que alguma coisa ou alguém exerça uma impressão profunda numa mulher é preciso que a economia da dor em que ela aceitou a sua vida sofra uma transformação. A educação duma mulher faz-se no sentido de a tornar pusilânime. Enquanto pusilânime é obediente, sensível e sobretudo lenta na execução de um plano. Um homem aprende que a rapidez da acção abrevia o sofrimento. A mulher, e Maria Adelaide é disso um exemplo, economiza a dor como se ela fosse um património. Leva muito tempo a tomar uma decisão e, quando a toma, é com a ideia de poder voltar atrás. Maria Adelaide quando foi para Santa Comba não pensava pedir o divórcio. Foi preciso que uma dor se mudasse em irritação para proceder assim. As mulheres sofredoras estavam em vias de se tornarem mulheres irritáveis.»



Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 109

«Eu insurgia-me, porque uma mulher não suporta muito bem ser posta de parte quando se trata de ideais.»

Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 108

XXI





  «A dor não se destina apenas a um sintoma, mas também a estimular as energias vitais do paciente, que é o ser humano em geral. No caso de Maria Adelaide podemos observar as suas queixas desde muito nova e que serviam aos médicos para fazerem um diagnóstico. Desde 1889 que Maria Adelaide sofre de uma depressão profunda motivada provavelmente pela morte do pai, que sucede a 14 de Maio do mesmo ano. Em Setembro ela escreve: ''Chego a parecer doida''. Tem falhas de memória que a surpreendem, fica sem saber como se escrevem palavras que não oferecem qualquer dificuldade. Não consegue fixar a atenção num livro ou num trabalho qualquer. Sai de casa e logo deseja regressar. Colhe flores no jardim e deita-as fora. À mesa, mantém-se calada e desinteressada da conversa das pessoas presentes. Tudo isso no tempo de luto que foi interrompido pelo casamento com o doutor Cunha, casamento prematuro, dado o seu estado depressivo. Nunca chega a remeter-se dessa desordem nervosa e a imagem de Eduardo Coelho afirma-se cada vez mais na sua mente. Em 1903 piora muito. Tem trinta e dois anos e a sua instabilidade faz com que lhe seja atribuída uma neurastenia. ''A neurastenia entra no quadro das enfermidades mentais!'' - dizem os doutores mais eminentes do país. Comprometem-se a declará-la doida e entram sem hesitação na estranha perversidade de a encerrar no manicómio com o fim de ser instruído o processo de interdição.»



Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 101

«''Um príncipe de ilustração! Infelizmente os príncipes verdadeiros não são assim.'' Ela reconhecia que as mulheres o perdia e que ele ia ter uma carreira fulgurante e breve, porque as mulheres amam os que vão morrer.»



Agustina Bessa-LuísDoidos e amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 87
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