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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

«As tuas mãos que a tua mãe cortou
para exemplo duma cidade inteira»

António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 24

« eu eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 23

(...)

«não é uma pátria
não é esta noite que é uma pátria
é um dia a mais ou a menos na alma
como chumbo derretido na garganta
um peixe nos ouvidos
uma zona de lava»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 22

''restos de pulmão''


«é um dia perfeitamente para cães
alguém deu à manivela para nascer o sol»

António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 22

''quarenta noites de insónia''

3

«Roda de todas as torturas e todas as seduções, deixaste de girar, estás agora aqui, partida, abandonada no próprio local do sangue; transportada  de homem em homem através dos séculos, foste há pouco deposta pelo último homem, esse que desapareceu, ia de lado, com os joelhos duros cobertos de água e as mãos cem metros à sua frente em sinal de maldade. Corpo a corpo foste gasta até à última noite e até à última estrela; palavra a palavra foste sugada e bebida e de todos os lados sempre novas bocas chegavam para te sugar e beber; ficaste um gesto que perseguimos à dentada e acabámos por matar. Vêde: a destruição prossegue docemente. Restam apenas aqui e além algumas cidades com os seus milhões de almas e nada mais. Pequenas marcas de sangue cada vez mais vivas assinalam a nossa passagem entre as agulhas de carvão do tempo. Canhões ocupam a entrada da luz. E de Norte a Sul, de Este a Oeste, de criança para criança, aguarda-se o sinal de fogo.
   Não estranheis os sinais, não estranheis este povo que oculta a cabeça nas entranhas dos mortos. Fazei todo o mal que puderdes e passai depressa.
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António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 15

2


«Falámos tanto ou tão pouco que de repente o silêncio que se fez foi essa patada no peito de que guardamos a marca quando agora choramos, quando estendemos as mãos carregadas de dedos mortos, sonhámos tanto que mais de uma vez tivemos de matar, que mais de uma vez nos estoiraram os olhos sob a pólvora das lágrimas e as tuas mãos voaram estilhaçadas, jogámos tanto que para não nos perdermos arriscámos tudo, até tornarmos a morte uma coisa nossa, tão nossa que é ela que anda agora vestida com a nossa pele e os nossos ossos, escorregando pelas paredes de cabeça p'ra baixo ou subindo pelo interior dos bicos, olhando do alto o sangue que ficou no centro, entre os carris, passando de cadafalso em cadafalso com os lábios furados pelas unhas, com a cintura roxa das dentadas da noite, da miséria dos dias.
.................................................................................................................................................................»

António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 14/5

«Havia quem se suicidasse escrevendo um poema, como havia quem se suicidasse olhando simplesmente para o mar.»


(...)
«Havia quem se suicidasse escrevendo um poema, como havia quem se suicidasse olhando simplesmente para o mar. Qualquer coisa flutuava, a certas horas, ao redor das bocas, e era sangue ou labaredas, nunca se sabia bem. Era às vezes uma flor na boca duma criança.
   Uma noite uma mulher, estendendo os braços para o horizonte, lançou de súbito um grito lancinante: AVIÕES! Mas era apenas um bando de gaivotas e a mulher teve de ser enforcada. Tais enganos constituíam segredos de Estado.


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 13

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

"Esta manhã deste século
entre anjos caídos
a lava da voz humana
podem ouvir neste local da terra
de nome de animal de patas obscenas
como um búzio da cabeça ao sexo
e do sexo à flor do espasmo
vem do murmúrio do caos
e rebenta em sílabas de abelhas nos ouvidos
agora atravessa mil novecentos e oitenta e sete
e todos os meus anos bêbados
vai de um pólo ao outro da memória
e regressa como um tiro no tempo"



António José Forte.
Uma Faca nos Dentes.
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