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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

«Ergueu a toalha. Havia na carreta doze canos de aço azul e frio; na extremidade de cada um deles desabrochava uma bonita rosa branca e fresca, sombreada de bege no côncavo das pétalas aveludadas.
-Oh!... - murmurou Colin. - Como são belas!...
O homem não dizia nada. Tossiu duas vezes.
- Não vale a pena continuar amanhã o seu trabalho - disse hesitante.
Os dedos agarravam-se nervosamente à borda da carreta.
-Posso colhê-las? - perguntou Colin. - Para a Chloé.
-Se as separar do aço murcham - disse o homem. - São de aço, como sabe...
- Não é possível - disse Colin.
Agarrou com delicadeza numa rosa e tentou quebrar-lhe o pé. A um movimento desastrado uma das pétalas fez-lhe um golpe com vários centímetros de comprimento. A mão sangrava com pulsações lentas, grandes golfadas de sangue escuro que ele chupava com um ar absorto. Olhava para a pétala branca, marcada por um crescente vermelho, e o homem bateu-lhe no ombro empurrando-o suavemente em direcção à porta.»


Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 175/6

sábado, 8 de janeiro de 2011

«Chloé parou para brincar com um montículo de neve.
Suaves e frios, os flocos mantinham-se brancos e não derretiam.
-Vê como é bonita - disse ela a Colin.
Debaixo da neve havia primaveras, miosótis e papoilas.
-Pois é - disse Colin - mas fazes mal em agarrar nela. Vais ter frio.
-Oh! não! - disse Chloé, começando a tossir como um tecido de seda que se rasga.
-Querida Chloé - disse Colin rodeando-a com os braços - não tussas desse modo que me entristeces!
Largou a neve, que caiu lentamente como penugem e voltou a brilhar o sol.
-Não gosto desta neve - murmurou Nicolas.
Emendou logo:
-Peço desculpa, senhor, pela liberdade da linguagem.
Colin descalçou um sapato e atirou-o à cara de Nicolas, que se baixou para esfregar uma pequena nódoa das calças e levantou ao som de um vidro quebrado.
-Oh! Senhor!... - disse com um ar de censura - é a janela do seu quarto!...
- Pois tanto pior! - disse Colin. - Vamos ficar mais arejados....Além disso, talvez te ensine a não falar como um idiota....
Ajudado por Chloé, dirigiu-se a pé-coxinho para a porta do hotel. A vidraça partida começava a crescer. Nas bordas do caixilho ia-se formando uma placa fina e opalescente irisada por vagos reflexos, com tonalidades pálidas, furta-cores.»



Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 88/9

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

«Agarrou Colin pelo braço.
-Dê-me o braço. Hoje não o vejo muito expedito!...
-No último encontro a coisa correu melhor - confessou Colin.
Ela voltou a rir, olhou-o, riu outra vez e melhor ainda.
-Está a troçar de mim - disse Colin, compungido. - Não é caridoso.
-Não sente prazer em ver-me? - perguntou Chloé.
-Sinto... - disse Colin.
Uma nuvem cor-de-rosa descia do alto e aproximava-se deles.
-Já aí vou! - era a sua proposta.
-Vem - dizia Colin.
E a nuvem envolveu-os. O seu interior estava quente e cheirava a açúcar com canela.
-Já ninguém nos vê! - disse Colin. - Mas nós vemo-los!...
-É um pouco transparente - disse Chloé. - Desconfie.
-Não faz mal - disse Colin. - Seja como for, sentimo-nos melhor assim. O que é que quer fazer?...
-Exactamente passear...Fica aborrecido?
-Diga-me então coisas...
-Não sei muito a respeito de coisas - respondeu Chloé. - Podemos ver montras. Olhe aquela!...É interessante!
    Na montra havia uma mulher bonita deitada  numa cama desmontável. Tinha o peito nu, um aparelho escovava-lhe os seios de baixo para cima, como escovas compridas de pêlos brancos, finos, sedosos. O cartaz dizia: «Economize o calçado usando o Antípoda do Reverendo Charles».
  -É boa ideia - disse Chloé.
  -Mas não faz nenhum sentido!...-disse Colin. - Com a mão é muito mais agradável.
Chloé corou.
-Não diga coisas dessas. Não gosto dos rapazes que dizem horrores à frente das raparigas.
-Peço desculpa....-  disse Colin. - Não queria...
Mostrava um ar tão desolado, que ela sorriu e abanou-o para provar que não estava zangada.»



Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 54/5

Colin e Chloé

«Colin sentou-se e Chloé aninhou-se comodamente ao pé dele.
-Esta menina é simpática, não é? - disse Chick.
Chloé sorriu. Colin não disse nada mas passou o braço à volta do pescoço de Chloé e começou a brincar distraidamente com o primeiro botão do seu vestido, que abotoava no peito. Alise voltou para junto deles.
-Chega-te para lá, Chick, quero encaixar-me entre ti e o Colin.
Tinha escolhido bem o disco. Era o Chloe no arranjo de Duke Ellington. Colin mordiscava perto da orelha os cabelos de Chloé. Murmurou:
-És precisamente tu.
E antes de Chloé conseguir responder, os outros vieram dançar; depois de todo aquele tempo tinham reparado que não era, de forma nenhuma, momento para estarem à mesa.
-Oh!...- disse Chloé. - Que pena!...»



Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 48/9
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