quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

«Agarrou Colin pelo braço.
-Dê-me o braço. Hoje não o vejo muito expedito!...
-No último encontro a coisa correu melhor - confessou Colin.
Ela voltou a rir, olhou-o, riu outra vez e melhor ainda.
-Está a troçar de mim - disse Colin, compungido. - Não é caridoso.
-Não sente prazer em ver-me? - perguntou Chloé.
-Sinto... - disse Colin.
Uma nuvem cor-de-rosa descia do alto e aproximava-se deles.
-Já aí vou! - era a sua proposta.
-Vem - dizia Colin.
E a nuvem envolveu-os. O seu interior estava quente e cheirava a açúcar com canela.
-Já ninguém nos vê! - disse Colin. - Mas nós vemo-los!...
-É um pouco transparente - disse Chloé. - Desconfie.
-Não faz mal - disse Colin. - Seja como for, sentimo-nos melhor assim. O que é que quer fazer?...
-Exactamente passear...Fica aborrecido?
-Diga-me então coisas...
-Não sei muito a respeito de coisas - respondeu Chloé. - Podemos ver montras. Olhe aquela!...É interessante!
    Na montra havia uma mulher bonita deitada  numa cama desmontável. Tinha o peito nu, um aparelho escovava-lhe os seios de baixo para cima, como escovas compridas de pêlos brancos, finos, sedosos. O cartaz dizia: «Economize o calçado usando o Antípoda do Reverendo Charles».
  -É boa ideia - disse Chloé.
  -Mas não faz nenhum sentido!...-disse Colin. - Com a mão é muito mais agradável.
Chloé corou.
-Não diga coisas dessas. Não gosto dos rapazes que dizem horrores à frente das raparigas.
-Peço desculpa....-  disse Colin. - Não queria...
Mostrava um ar tão desolado, que ela sorriu e abanou-o para provar que não estava zangada.»



Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 54/5

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