quinta-feira, 30 de maio de 2024
''nevoeiro fabril e de salitre''
José Almada Negreiros. Nome de Guerra. Livros RTP. Editorial Verbo. p. 15
« Estas raparigas tiveram todas a mesma vida mais ou menos fantasiada e uma única história absolutamente verídica e a qual as levou todas a dançar na mesma sala. A história verídica é a única que vale e pode-se contar: o primeiro homem que elas conheceram era um pulha! E cada uma teve o seu para virem juntar-se todas ali na sala das distrações, dos estranhos e do esquecimento.»
ÀS VEZES O DIA COMEÇA À NOITE
José Almada Negreiros. Nome de Guerra. Livros RTP. Editorial Verbo. p. 14
III
UMA JUDITE QUE NÃO SE CHAMA ASSIM
- Eu não me chamo Judite. Mas não digas nada a ninguém. O meu nome verdadeiro é...
E calou-se.
Judite é um nome de mulher a quem a Bíblia faz cortar a cabeça de Holofenernes. Assim são verdadeiros e garantidos. O teatro fez-lhes tragédias para ressuscitá-los.»
O nosso íntimo pessoal é inatingível por outrem. E é este o fundamento de toda a humanidade, de toda a Arte e de toda a Religião. O nosso íntimo pessoal é de ordem humana, estética e sagrada. Serve apenas o próprio. É o seu único caminho. O melhor que se pode fazer em favor de qualquer é ajudá-lo a entregar-se a si mesmo. Com o seu íntimo pessoal cada um poderá estar em toda a parte, sejam quais forem as condições sociais, as mais favoráveis e as mais adversas. Sem ele, nem para fazer número se aproveita ninguém.»
«As vacas chamam-se e os donos apelidam-se. A vaca é Pomba, Estrela, Aurora ou Vitória como uma pessoa podia ser apenas José, Maria, Luís ou Judite. É a domesticidade que leva a estas designações e para evitar o opróbrio da fria enumeração. São efeitos da gentileza com facilidades para distinguir. »
José Almada Negreiros. Nome de Guerra. Livros RTP. Editorial Verbo. p. 9
segunda-feira, 27 de maio de 2024
"Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca."
Clarice Lispector, no livro “Aprendendo a viver”. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
"Ainda bem que sempre existe outro dia. E outros sonhos. E outros risos. E outras pessoas. E outras coisas." Clarice Lispector
"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. (...) Nem sei como lhe explicar minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. (...) Pretendia apenas lhe contar o meu novo carácter, ou falta de carácter. (...) Querida, quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu... em que pese a dura comparação... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante. (...) Uma amiga, um dia desses, encheu-se de coragem, como ela disse, e me perguntou: você era muito diferente, não era? Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me encontrou agora se disse: ou essa calma excessiva é uma atitude ou então ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse que eu me movo com lassidão de mulher de cinquenta anos. (...) o que pode acontecer com uma pessoa que fez pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado. Ouça: respeite a você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você - pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse o único meio de viver.
" Clarice Lispector, in 'Carta a Tânia [irmã de Clarice] (1947)'
POEMA DO DESEJO
domingo, 26 de maio de 2024
''(...) da destruição do que foi, nasce, em brasa, o que há-de vir.''
COISAS QUE ARDEM FACILMENTE de Vedrana Klepica
sábado, 18 de maio de 2024
«Falando aos Apóstolos, Cristo diz-lhes: « Vós sois o sal da terra» (Mat. 5:13). Mas o sal tem também um lado negativo. Associado à sede que provoca, pode significar a insaciável sede dos bens do mundo, enquanto que o seu sabor amargo ilustra o pesar, a dor, a amargura, enfim. Daí que as lágrimas, por serem salgadas, estejam associadas à imagem do mar.»
Ana Hatherly. Poesia Incurável. Aspectos da Sensibilidade Barroca. Editorial Estampa. 1ª Edição. Outubro 2023., p. 15