Numa obsessão, no seu cérebro imaginoso,
o seu cérebro literário, logo começou a tra-
balhar essa ideia - depressa fantasiando um
homem que, no desejo de enlouquecer, saísse
à rua e desfechasse de súbito um tiro sobre
a primeira criatura que passasse e ele não
conhecesse. Escolheria mesmo uma rapari-
guinha galante, suave e loira, porque se
escolhe sempre em todas as circunstâncias.
Assim haveria um pouco de ternura na tra-
gédia. Ora esse homem, matando alguém que
nunca encontrara, cometera um acto
injustificado - isto é: um acto de loucura. Seria
preso. Explicaria o seu crime: fora para endoi-
decer, praticando uma acção incoerente, que
assassinara - e juntaria a razão enternecida
porque escolhera a sua vítima. À primeira
vista este homem deixava de ser um doido:
houvera um motivo no seu crime, querer
endoidecer. Mas, por amor de Deus, tal
motivo melhor vinha provar ainda a sua
loucura: só a um doido podia ocorrer seme-
lhante ideia. E enfim o assassinato seria dado
por irresponsável, seguramente, e encerrado
em um manicómio...»
Mário de Sá-Carneiro. Mistério. Edição Alma Azul. Coimbra, Maio 2007
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