Jardim do Luxemburgo
Os blocos de apartamentos parisienses não temem nem o
[vento nem a imaginação
– são pisa-papéis pesados,
a antítese dos sonhos.
Barcos brancos vão pelo rio, cheios de pessoas
que exigem saudações àqueles que estão na margem;
o seu alvoroço aniquila o passado.
Um casal de turistas ricos emerge de um táxi
com roupas cintilantes; servem-nos empregados
vestidos de fraques que a moda não altera.
Mas o Jardim do Luxemburgo está a esvaziar-se
e fica um gigante herbário mudo;
Esqueceu todos aqueles que um dia
passearam pelos seus caminhos e não notaram que já
[não estão vivos.
Mickiewicz viveu aqui e além August Strinberg
trabalhou sobre a pedra filosofal
que nunca encontrou.
Entardece. Noite solene, taciturna e preocupada,
chega de leste.
A noite vem da Ásia e não faz perguntas.
Ser estrangeiro é óptimo, uma alegria fria.
Luzes amarelas iluminam as janelas para o Sena
(uma coisa mesmo enigmática: as vidas dos outros).
Eu sei – não há mistério aqui agora.
Mas há plátanos, praças, cafés, ruas acolhedoras
e o olhar luminoso das nuvens que vai esmorecendo.
(com base na versão inglesa de Clare Cavanagh)
Auto-estrada
Tinha doze anos talvez.
No ferro-velho por baixo do viaduto construído
por Hitler eu buscava relíquias daquela guerra, relíquias
da idade do ferro, baionetas e capacetes de um exército
qualquer, não ligava, sonhava com grandes achados –
tal como Heinrich Schliemann em tempos
andou à procura de Heitor e Aquiles na Ásia Menor,
mas não encontrei nem ouro
nem baionetas, apenas ferrugem por todo o lado,
o ódio castanho da ferrugem; receava
que pudesse penetrar o meu coração.
Lápis
Os anjos já não têm tempo para nós;
trabalham agora para as gerações futuras,
inclinados sobre cadernos escolares
escrevem e apagam, corrigem
complicados esquemas
da felicidade futura
com um lápis grosso,
amarelo, na boca,
tal e qual as crianças no primeiro dia de escola
sob os olhos da professora
que sorri bondosamente.
(Auto-estrada e Lápis foram traduzidos com base em versões espanholas de Xavier Farré)
(Adam Zagajewski morreu a 21 de Março de 2021, altura em que este pequeno perfil já estava organizado.)
Francisco José Craveiro de Carvalho (poeta e tradutor)
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