Em vez de uma carta.
(Lílitchka! Vmésto pis'má)
O ar roído de fumo.
O quarto -
capítulo do inferno de Kruchonykh**
Recordo -
atrás desta janela,
frenético,
pela primeira vez acariciei as tuas mãos.
Hoje estás aqui sentada,
o coração blindado.
Mais um dia
e expulsas-me,
talvez me insultes.
Na antecâmara turva, longo tempo não sobre,
quebrado por tremuras, o braço na manga.
Fugirei,
lanço o meu corpo à rua.
Selvagem,
enlouqueço,
despedaçado pelo desespero.
Não é preciso isso,
minha querida,
minha querida,
vem-me dizer agora adeus.
De todas as maneiras,
o meu amor -
um peso na verdade -
estará sempre contigo
para onde quer que vás.
No último grito, deixa
a queixa amarga das ofensas.
Se um boi está exausto do trabalho -
irá chafurdar na água fria.
Além do teu amor
não há mar
para mim,
mas no teu amor as lágrimas não descansam.
O elefante cansado procura a calma -
deita-se, majestoso, na areia ardente.
Além do teu amor
não há sol para mim,
e não sei onde estás agora nem com quem.
Se fosse poeta aquele que assim torturas,
ele
a amada por oiro e por glória trocaria,
mas para mim
nem um só sino é alegre,
além do que soa no teu nome amado.
E no vazio não me lançarei,
e não tomarei veneno,
e não quero encostar o revólver à testa.
Sobre mim,
além do teu olhar,
não tem poder a lâmina de nenhum punhal.
Amanhã terás esquecido,
que te coroei,
que a alma em flor o amor queimou,
e que o vento dos dias vãos de carnaval
despenteará as páginas dos meus livros...
Das minhas palavras as folhas secas
saberão parar
a alma ansiosa?
Deixa ao menos
que a minha última ternura cubra
os teus passos que se vão.
Vladimir Mayakovsky. Antologia da Poesia Soviética. Tradução directa do russo, selecção, prefácio e notas de Manuel de Seabra. Editorial Futura., Lisboa, 1973., p. 28-30
* Lília Brik
domingo, 30 de julho de 2017
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário