terça-feira, 2 de maio de 2017
O CORPO E A ALMA
Mas é mais triste ainda, bem mais triste.
Triste como o ramo que para ninguém deixa cair
[seu fruto.
Mais triste, mais. Como esse bafo
que da terra exala depois a polpa morta.
Como essa mão que do corpo estendido
se eleva e quer somente acariciar as luzes,
o sorriso dolente, a noite aveludada e muda.
Luz da noite sobre o corpo estendido sem alma.
Alma fora, alma fora do corpo, esvoaçando
tão delicadamente sobre a triste forma abandonada.
Alma de doce névoa, suspensa
sobre o seu ontem enamorado, corpo inerme
que pálido arrefece com as horas nocturnas
e quieto fica, só, docemente vazio.
Alma de amor que vela e se separa
vacilando, e por fim se afasta, ternamente fria.
Antologia de Vicente Aleixandre. Selecção, tradução e prólogo de José Bento. Editorial Inova/Porto., p. 90
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