terça-feira, 5 de janeiro de 2016


Um poema de Ana Duarte


A Minha Saia


A minha saia é debruada de
dentes brancos
— saia rodada com pregas
e esconderijos que se abrem
sobre os precipícios da infância


É uma saia alta como janelas
remendada pelas mãos cuidadosas dos amantes


Debaixo da minha saia há
uma caixa com botões e olhos
que encontrei no leito seco dos caminhos
há um girassol que me aquece
o farelo e o sal dos ossos
há uma colmeia e o crescente negro
da sombra a roçar os joelhos


Há o riso dos velhos


Som de cordas, velas de moinho,
fábulas e exércitos balançam
dentro da minha saia
quando danço


Debaixo da minha saia há também casas
onde recolho o vento, e delas se avista
o pescoço curvo de dois bois mansos
alisando o pasto


Rodo o corpo e a minha saia aponta para o sul
baixo-a para desenhar círculos na poeira
ergo-a para atravessar o rio
na hora em que
a maré sobe
sobe
sobe
sobe


em Criatura, nº 6, Lisboa: Núcleo Autónomo Calíope da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Novembro de 2011, pp. 9-10.

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