com a terra. As pedras metem-se por entre os ossos,
a humidade corrompe os tecidos que os envolvem,
apressa a decomposição dos metais. Esses mortos
ainda falam. No entanto, não os ouço, quando
passo por cima deles, e prefiro distrair-me com as aves
que cantam, com o vento que faz saltar as folhas
do outono. Os meus pés podem, então,
pisá-los; e os meus passos abafam o seu choro, que
também se fonfunde com o murmúrio do vento. Mas
o que ouço, sempre, é esta voz que sai do silêncio
dos mortos. Tenho-a dentro de mim; tento agarrá-la
com os dedos do poema, fixá-la no verso para que
não volte a incomodar-me; e ela foge, mete-se
pelos buracos da terra, esconde-se com as raízes
mais fundas. No entanto, não sei
quem são estes mortos. Limito-me a pisá-los, quando
atravesso os adros, os terreiros, os baldios
de onde fugiram os rebanhos. Como
um pastor de sombras, levo atrás de mim todas
as suas vozes - ou, apenas, a voz única que as minhas
mãos moldam numa paciência de artesão. Já não sei quem
me encomendou este trabalho. Um dia, a mulher
de olhos roxos pediu-me que não a esquecesse; e
desde então colecciono vozes, procuro a memória
do seu seio no barro do inverno, evito pisar
a terra, à noite, quando a sua imagem me aparece
por entre o halo da névoa.
José Tolentino Mendonça .Teoria Geral do Conhecimento, Quetzal. In "Jornal de Letras Artes e Ideias" nº 744 de 7 a 20 de Abril de 1999
Olá Eu passei aqui e Ritov blog. Saudações e domingo feliz.
ResponderEliminarGio '
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