Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.
Batem asas d’auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.
Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo –
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...
Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de ouro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...
Que droga foi a que me inoculei?
Ópio d’inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eterizo?
Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante –
Manhã tão forte que me anoiteceu.
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante –
Manhã tão forte que me anoiteceu.
Paris 1913 – Maio 4
Mário de Sá-Carneiro. Dispersão. Lisboa, 1914., p. 8
é fantástico este poema de Mário Sá- Carneiro. a força dos últimos versos não deixa ninguém indiferente "Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,/Foi álcool mais raro e penetrante:/É só de mim que ando delirante -/Manhã tão forte que me anoiteceu.". o pormenor de ter sido escrito em Paris e em Maio também é interessante: Paris 191(3) Maio (4). um destes dias publico também no blog em que participo.
ResponderEliminarA descobrir o Mário de Sá-Carneiro,e, desculpe-me a expressão 'a amá-lo' tanto como ao Pessoa.
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