Então Calipso, pensativa, lançando sobre os seus cabelos anelados um véu da cor do açafrão, caminhou para a orla do mar, através dos prados, numa pressa que lhe enrodilhava a túnica, à maneira de uma espuma leve, em torno das pernas redondas e róseas. Tão levemente pisou a areia, que o magnânimo Ulisses não a sentiu deslizar, perdido na contemplação das águas lustrosas, com a negra barba entre as mãos, aliviando em gemidos o peso do seu coração. A Deusa sorriu, com fugitiva e soberana amargura. Depois, pousando no vasto ombro do herói os seus dedos tão claros como os de Eos, mãe do dia:
_Não te lamentes mais, desgraçado, nem te consumas, olhando o mar! Os deuses, que me são superiores pela inteligência e pela vontade, determinam que tu partas, afrontes a inconstância dos ventos, e calques de novo a terra da pátria...
Bruscamente, como o condor fendendo sobre a presa, o divino Ulisses, com a face assombrada, saltou da rocha musgosa:
_Oh deusa, tu dizes!...
Ela continuou sossegadamente, com os formosos braços pendidos, enrodilhados no véu cor de açafrão, enquanto a vaga rolava, mais doce e cantante, no amoroso respeito da sua presença divina:
_Bem sabes que não tenho naves de alta proa, nem remadores de rijo peito, nem piloto amigo das estrelas, que te conduzam...Mas certamente confiarei o machado de bronze que foi do meu pai, para tu abateres as árvores que eu te marcar, e construíres uma jangada em que embarques...Depois eu a proverei de odres de vinho, de comidas perfeitas, e a impelirei com um sopro amigo para o mar indomado...
Eça de Queiroz . Contos. Edição «Livros do Brasil» Lisboa. (pp. 233)
Eça é perfeito. Deveria continuar a escrever no céu, em pé por sobre uma mesa alteada de madeira. No fim deveria rever, na presença do incontornável monóculo, e deixar cair a escrita celeste para o deleite abismado dos mortais.
ResponderEliminarGostei muito.
Abraço
O Eça é sublime.
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