domingo, 2 de outubro de 2022
PALAVRAS
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro
Bater de cascos incansável.
Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.
E então o fluir azul e insubstancial
De montanha e distância.
Eixo de calcanhares e joelhos!... O sulco
Do arco tenso
Do pescoço que não consigo dobrar.
De olhos negros lançam escuros
Anzóis...
Sombra,
Um outro voo
Coxas, pelos;
Escamas e calcanhares.
Branca
Godiva, descasco
Mãos mortas, asperezas mortas.
Ondulo como trigo, um brilho de mares.
O grito da criança
E eu
Sou a flecha,
Suicida, unido com o impulso
Dentro do olho
Clara, exata, quase um fardo para carregar.
Eu diria que é um ataúde de um anão ou
De um bebê quadrado
Não fosse o barulho ensurdecedor que dela escapa.
Tenho de passar a noite com ela e
Não consigo me afastar.
Não tem janelas, não posso ver o que há dentro.
Apenas uma pequena grade e nenhuma saída.
Está escuro, escuro.
Enxame de mãos africanas
Mínimas, encolhidas para exportação,
Negro em negro, escalando com fúria.
É o barulho que mais me apavora,
As sílabas ininteligíveis.
São como uma turba romana,
Pequenas, insignificantes como indivíduos, mas meu deus, juntas!
Não sou um César.
Simplesmente encomendei uma caixa de maníacos.
Podem ser devolvidos.
Podem morrer, não preciso alimentá-los, sou a dona.
Me pergunto se me esqueceriam
Se eu abrisse as trancas e me afastasse e virasse árvore.
Há laburnos, colunatas louras,
Anáguas de cerejas.
No meu vestido lunar e véu funerário
Não sou uma fonte de mel.
Por que então recorrer a mim?
Amanhã serei Deus, o generoso – vou libertá-los.
À EMISSORA NACIONAL
Queiram dar-nos o prazer
De umas vezes nos dizer
O que Salazar não disse.
Transmitem a toda a hora,
Nas entrelinhas das danças,
«Salazar disse» (Emissora)
E aí vem essa senhora
A Estada Nova com tranças.
Sim, talvez seja o melhor,
Porque estes homens do estado
Quando falam, é o pior,
E então quando são do teor
Do Salazar já citado!
SOLENEMENTE
Solenemente
Carneiríssimamente
Foi aprovado
Por toda a gente
Que é, um a um, animal,
Na assembleia nacional
Em projecto do José Cabral.
Está claro
Que isso tudo
É desse pulha austero e raro
Que, em virtude de muito estudo,
E de outras feias coisas mais
É hoje presidente do concelho,
Chefe de internormas animais,
E astro de um estado novo muito velho.
Que quadra
Isso com qualquer espécie de graça?
Nada.
A Igreja Católica ladra
E a Maçonaria passa.
E eles todos a pensar
Na vitória que os uniu
Neste nada que se viu,
Dizem, lá se conseguiu,
Para onde agora avançar?
Olhem, vão p’ra o Salazar
Que é a p… que os pariu.
1935
«A ideia seria boa se não houvesse outra melhor.»
José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 38
segunda-feira, 12 de setembro de 2022
segunda-feira, 5 de setembro de 2022
''A luta política, entretanto, jamais excede a disputa pelo poder, pelo estatuto, pelo pedestal/trampolim; e o poder é apenas visto como apropriação da regalia, ostentação da vaidade, usufruto do mero poleiro na gaiola. De tal modo, que o poder, doravante, é apenas "estar no poder". Já não é sequer meio para determinado fim segundo preliminar causa: É, mais uma vez, fim e causa em si mesmo - uma forma estritamente burguesa de conforto, uma masturbação social, um fetishismo político. Em bom rigor, nada mais que bacoco desfile, show-off, exibição. Não há qualquer projecto ou projecção para lá do "estar no poder". Tudo se esgota nesse aparecer enquanto se pode, e nesse tudo fazer para estar o mais possível. Esvaziado da sua essência, fica o poder reduzido a mera aparência de poder, simulacro de governação, fazer de conta. Assim, o Poder "Democrático", tal qual se exibe - de imitação barata (mas financiada a peso de ouro) - nas nossas paragens, constitui dupla vacuidade e redundância: ambos, o poder e a sua forma (a "democracia") na ausência mútua, reiterada e compulsiva de princípios e fins, confinam-se a meios absolutos, e tornam-se não modos de servir à comunidade, mas expedientes para se servirem dela. Pelo que, a finalidade do poder não é fazer qualquer coisa em prol do país: é apenas fazer do país estância. Albergue. Hospedaria. As eleições pouco ou nada definem (e ainda menos implementam), de qualquer programa minimamente efectivo para a vida do quadrienalmente lambuzado povo: apenas determinam quem vai "estar", e de que modo, hospedado no erário público nos próximos quatro anos. ''
Via Dragoscópio
terça-feira, 30 de agosto de 2022
sábado, 27 de agosto de 2022
« Um escritor que só pode ser compreendido por algumas pessoas não chega a ser inteiramente um escritor.»
« Cheirava a coisas limpas a mar e a cravos.»
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 31
« É um lugar profundamente imoral porque tem qualquer coisa morta em si. É como se houvesse qualquer coisa que impedisse as pessoas de se cumprirem, que as condenasse à falência, ao desencontro, à insatisfação.»
Organização e Prefácio de Carlos Mendes de Sousa.
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 25
'' Às vezes tenho a sensação de um corpo em decomposição.''
Organização e Prefácio de Carlos Mendes de Sousa.
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 25
sábado, 20 de agosto de 2022
« (...) puxou fogo ao trigo, tanto pão perdido, tanta fome agravada »
José Saramago. levantado do chão. 20ª Edição. p. 382
quinta-feira, 18 de agosto de 2022
'' ninguém convence ninguém se não estiver convencido''
José Saramago. levantado do chão. 20ª Edição. p. 365
« Tendo nascido para trabalhar, seria uma contradição abusarem do descanso. A melhor máquina é sempre a mais capaz de trabalho contínuo, lubrificada que baste para não emperrar, alimentada sem excesso, e se possível no limite económico da simples manutenção, mas sobretudo de substituição fácil, se avariada está, velha outra, os depósitos desta sucata chamam-se cemitérios, ou então senta-se a máquina nos portais, toda ela ferrujosa e gemente, a ver passar coisa nenhuma, olhando apenas as mãos tristíssimas, quem me viu e quem me vê.»
José Saramago. levantado do chão. 20ª Edição. p. 347
« Esse sangue, transformado em rosas,»
Thomas Mann. O eleito. Publicações Europa-América. 1972., p. 135
« O seu sofrimento, ignoro-o, não o compreendo.»
Thomas Mann. O eleito. Publicações Europa-América. 1972., p. 115
«melancólico, um triste, sempre de luto»
« Creio que sofreis de muitas feridas.»
Thomas Mann. O eleito. Publicações Europa-América. 1972., p. 88
terça-feira, 16 de agosto de 2022
segunda-feira, 15 de agosto de 2022
domingo, 14 de agosto de 2022
'' estava ocupada com lágrimas e maus pensamentos''
José Saramago. levantado do chão. 20ª Edição. p. 337
'' sentia-se tão triste como se estivesse para morrer''
José Saramago. levantado do chão. 20ª Edição. p. 336
'' se viesse a liberdade, e afinal a liberdade não veio''
José Saramago. levantado do chão. 20ª Edição. p. 326
« Comecei a inventar a histórias para crianças quando os meus filhos tiverem sarampo, [...] Mandei comprar alguns livros que tentei ler em voz alta. Mas não suportei a pieguice da linguagem nem a sentimentalidade da ''mensagem'': uma criança é uma criança, não é um pateta.»
Sophia de Mello Breyner Andresen
''evocações memorialísticas''
Organização e Prefácio de Carlos Mendes de Sousa.
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 19
''todas as fissuras e rasgões''
Organização e Prefácio de Carlos Mendes de Sousa.
Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 13
quinta-feira, 11 de agosto de 2022
«Não podemos confundir absolutismo com princípio, ou substituir espectáculo por política, ou considerar insultos como um debate razoável.»
Barack Obama. Primeiro Discurso de Tomada de Posse. Proferido em Washington DC, a 20 de Janeiro de 2009
Henrique Monteiro. Grandes Discursos da História. Guerra e Paz, Editores, 2017., p. 202
«Projectam uma democracia na qual o governo, seja ele qual for, esteja confinado a uma série de regras, incorporadas na constituição, para que não possa governar o país como lhe apetecer.»
Nelson Mandela. Primeiro Discurso de Tomada de Posse. Proferido na Cidade do Cabo, a 9 de Maio de 1994
Henrique Monteiro. Grandes Discursos da História. Guerra e Paz, Editores, 2017., p. 178
''padrões de saúde em declínio''
nald Reagan. Derrube este muro! Proferido em Berlim Ocidental, a 12 de Junho de 1987
Henrique Monteiro. Grandes Discursos da História. Guerra e Paz, Editores, 2017., p. 179
''não tenho perfil de apóstolo nem de messias''
Salvador Allende. Os últimos discursos. Proferidos na rádio, aquando do golpe militar, a 11 de Setembro de 1973
Henrique Monteiro. Grandes Discursos da História. Guerra e Paz, Editores, 2017., p. 169
« Diz a morte no inferno, Tens foice à tua espera,»
José Saramago. levantado do chão. 20ª Edição. p. 325