terça-feira, 21 de março de 2023

« essa , a abandonada, a que, por vezes,
é percorrida pelo arrepio,
pela frialdade da separação,
a que enlouquece na procura,
a nua, a que perdeu,
a que não sabe segurar-se e oscila,
fora do equilíbrio, decepada,
em si mesma contida, única, pobre,
sobrevivente das primeiras coisas,

ela, a deixada para sempre só,
a que corre nos charcos, em demanda
da pertença maior, a que estremece,
atravessada pelos elementps,
a água, o fogo, o vento, até as pedras,
ela que é fácil de dilacerar,
fácil de espezinhar, uma ligeira 
superfície dançante,
cheia de morte, ornamentada pela morte
com dourados objectos musicais,»


Hélia Correia. Acidentes. Relógio D'Água, novembro, 2020., p. 55/6

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