terça-feira, 27 de julho de 2021

 


ELA ERA POESIA.

Ela guardava as palavras debaixo da almofada.
Na segunda gaveta da cómoda de cerejeira.
Não as deixava fugir das páginas dos livros.
Saboreava- as ao pequeno almoço com o pão com manteiga.
Roubava-as às pessoas que passavam por ela e não sentia remorsos.
Escondia-as no frigorífico para que se mantivessem frescas. Como alfaces.
Semeava-as em vasos de barro e esperava, pacientemente, que florescessem.
Colhia-as quando deambulava pela cidade grande.
Nas catedrais. Nos becos dos bairros de ruelas estreitas. Nas frestas das fachadas dos prédios pombalinos. Até nos elevadores que a levavam aos miradouros para descansar o olhar. Nos museus e nos monumentos de pedra bordados.
Dela saíam palavras pelo decote. Dos sacos das compras. Do cabelo pintado da cor das papoilas. Das gargalhadas.
Ele apareceu na vida dela e foi amor à terceira vista.
Ele prometeu-lhe um mundo. O seu.
Fez-lhe uma serenata.
Mas ela só lhe disse, tristemente, aquele amor era impossível.
Ela era poesia. Ele não sabia ler.

© MENA GERALDES (a publicar)

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