Lisboa, 1985: «Gostava de ficar no coração das pessoas»
«Eu não vou pela ideia de cantar um fado como se o cantasse pela primeira vez, porque tenho muita facilidade em improvisar e só entendo o fado assim. De uma maneira geral, o fado tem muito pouco de melodia (a não ser em músicas como as do Valério, do Portela, do Janes ou outros). O fado clássico, que era aquele que havia antigamente – porque nenhum compositor escrevia para o fado, a não ser na revista – não tinha praticamente melodia. Eu, se cantasse sempre da mesma maneira, maçava-me imenso e começava a pensar que podia maçar os outros. Não sou capaz de fazer igual amanhã porque eu não sei como é que fiz ontem nem como é que vou fazer amanhã…»
«Camões escreveu essas coisas porque lá por dentro dele era bem português e o seu estado de alma era o nosso. A pena de nós próprios. Isso tudo é a mesma coisa. O Camões tratou as palavras “destino” e “fado” como nunca mais ninguém tratará, assim eu penso. Há nele a mesma noção de destino, de fatalidade, de pena de si próprio. Fiquei toda contente quando descobri que ele dava a isto o mesmo sentido que lhe dá o povo que eu tinha ao pé da porta. Para mim, ele é o maior fadista português: sabia falar de fado como ninguém.»
«Bem, eu nunca esperei nada, por isso vivo sempre surpreendida com aquilo que me acontece. Pelo contrário, estou sempre à espera do pior. Eu gostava muito de morrer sem ouvir um não do público. Morrer, mas não retirar-me. Gostava de ficar no coração das pessoas.»
Semanário, Lisboa, 27 de Abril de 1985, pp. 41-42, entrevista por João Gonçalves, fotografias por Alberico Alves
Fonte da Publicação: ver aqui.
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