«BENEDITO Oh, ela é que me maltratou para além de todos os limites; um carvalho a que unicamente restasse uma só folha verde ter-lhe-ia respondido: até a minha máscara já começa a ter vida e a enfurecer-se contra ela. Não pensando que era eu a pessoa com quem falava, disse-me que eu era o bobo do príncipe, que era mais aborrecido que um dia de degelo. Ela juntava gracejo com tanta facilidade, que eu parecia um boneco que serve de alvo, tendo todo um exército a atirar contra mim. A sua fala é um punhal e cada uma das suas palavras é uma facada: se tivesse o hálito tão terrível como o final das suas frases, não haveria ser vivo perto dela, infectaria até a estrela polar. Não quereria casar com ela ainda que me trouxesse em dote quando Adão possuía antes do seu pecado. Ao próprio Hércules faria ela dar voltas ao espeto e quebrar-lhe-ia a maça para alimentar a fogueira. Não me faleis nela, vereis como é a infernal Atéa vestida a rigor. Quisera Deus que algum letrado a conjurasse pois enquanto ela andar por aqui, tão tranquilo pode um homem viver no inferno como num santuário e as pessoas pecarão de propósito para ir para lá; tanta a inquietação, a perturbação como o horror a acompanham.»
William Shakespeare. Muito Barulho Por Nada. Introdução, tradução e notas por Maria João Pires, Campo das Letras, Porto, 1ª edição 2003., p. 57
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