De repente abri os meus olhos na escuridão
-lua negra, ardósia imensa, precipício -
e nada pude ver. Senti que a minha memória
tinha-me igualmente abandonado.
A cidade absorvia o seu esgotado deserto,
como se a impassível escuridão
desde sempre ocupasse a sua amorfa existência.
A realidade vazava os meus sentidos
para quedas de água e desaguamentos,
precipitando-se num marasmo tenebroso
de invisíveis objectos repudiados.
Procurei a minha própria sombra e aquele nome,
mas encontrei o torpe esquecimento da linguagem.
A voz fez-se bruma, tácita transparência.
Tudo ficou em suspenso e continuei pela noite
da alma como um navio sem timoneiro e sem luz,
perdido entre as águas fantasmagóricas.
Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 72