Quando o mar amansa,
brando, mansamente,
um bocejo adormece a natureza.
Tudo dorme, o desespero e a esperança
e o mar,
manso,
tecendo palavras mansas,
é um realejo pérfido
burlando a vida.
Se o menino abre os olhos,
estremunhado,
ou a noiva desperta de um sonho escuro,
o mar
passa os seus dedos brandos por novelos de algas
e as suas histórias mansas
burlam a vida.
Tudo dorme, vento, noivas, crianças.
E o mar
é um monstro manso sem entranhas
escondendo os rugidos
em solidões de areia.
Fernando Namora. As Frias Madrugadas. Publicações Europa-América, 4ª ed, Lisboa, 1971., p.14/5