Ó minha mãe,
nós, que moramos numa estrela órfã -
acabamos de suspirar o suspiro
dos que foram atirados para a morte -
quantas vezes cede sob os teus passos e areia
e te deixa sozinha -
Deitada nos meus braços
saboreias o mistério
que Elias andou -
onde o silêncio fala
nascer e morrer acontecem
e os elementos de outro modo se misturam -
Os meus braços seguram-te
como um carro de madeira os que viajam para o céu -
madeira que chora, arrancada
das suas muitas metamorfoses -
Ó minha regressante,
o mistério concrescido c'o esquecimento -
eu bem ouço coisas novas
no teu amor crescente!
Estás sentada à janela
e neva -
e o teu cabelo é branco
e as tuas mãos -
mas nos dois espelhos
da tua face branca
conservou-se o Verão:
Terra para os prados erguidos para o Invisível -
Bebedouro para as corças de sombra à noite.
Mas queixosa mergulho na tua brancura,
na tua neve -
donde a vida tão de manso se afasta
como depois numa reza dita até ao fim -
Oh, adormecer na tua neve
com toda a dor no hálito de fogo do mundo.
Enquanto as linhas suaves do teu rosto
mergulham já em noite marinha
pra novo nascimento
Quando o dia se esvazia
no crepúsculo,
quando o tempo sem imagens começa,
as vozes solitárias se unem -
os bichos nada são senão caçadores
ou caçados -
as flores só ainda odor -
vais tu para entre as catacumbas do tempo
quando tudo é sem nome como no princípio -
vais tu para entre as catacumbas do tempo
que se abrem para aqueles que estão perto do fim -
ali onde crescem os germes de coração -
na escura intimidade
te afundas -
já para lá da Morte
que é apenas um desfiladeiro ventoso -
e com frio da saída abres
os olhos
nos quais já uma nova estrela
deixou o seu reflexo -»
(...)
Nelly Sachs. Poesias. Tradução de Paulo Quintela. Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1975,. p. 105-107