«Palavras fingidas. Mas o monge, animado de piedoso zelo, as proferia com um ardor sincero. Entretanto, Thaïs já olhava sem constrangimento aquele estranho ser que lhe causara medo. Paphnucio maravilhava-a, pelo aspecto rude e selvagem, pelo fulgor melancólico que inundava os seus olhos. Sentia-se curiosa da condição e da existência de um homem tão diferente de todos os que conhecia. Respondeu zombando docemente:
-Pareces muito precipitado na admiração, estrangeiro. Acautela-te, para que os meus olhares não te devorem até aos ossos. Livra-te de me amar!
Ele disse:
- Amo-te, ó Thaïs! Amo-te mais do que à minha vida e mais do que a mim mesmo. Deixei por ti o meu pobre deserto. Por ti, os meus lábios, votados ao silêncio, proferiram palavras profanas. Por ti, vi o que não devia ver e ouvi o que me era proibido ouvir. Por ti, a minha alma se perturbou, o meu coração se abriu, e dele jorraram ideias como as cascatas onde bebem as pombas. Por ti, caminhei dia e noite através de areias fervilhantes de insectos e de vampiros. Por ti, com os pés nus, pisei as víboras e os escorpiões. Sim, eu te amo! Mas não com o amor desses homens incendidos do desejo da carne, que te procuram como lobos esfomeados ou touros em fúria. Eles te querem como o leão quer a gazela. Carniceiros do amor, devoram-te até à alma, ó mulher! Eu porém te amo em espírito e em verdade: amo-te em Deus e pelos séculos dos séculos. O que tenho por ti no peito chama-se desvelo justo e caridade divina. Prometo-te mais do que uma embriaguez florida e mais do que ilusões de uma noite fugaz: prometo-te os santos banquetes e as núpcias do céu. A felicidade que te ofereço não acabará jamais: é inaudita. Inefável. E tal que, se os venturosos deste mundo pudessem entrever apenas uma sombra sua, logo morreriam deslumbrados. »
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 84
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