«Eis aí, pois, - monologou - a estância deliciosa em que nasci no pecado, o ar brilhante em que respirei venenosos perfumes, o voluptuoso mar onde escutei o canto das Sereias! Eis o meu berço carnal, minha pátria mundana! Berço florido, pátria ilustre, segundo o julgamento dos homens! É natural que os que nascem de ti Alexandria, te amem filialmente, eu fui gerado no teu seio magnificamente ornamentado. Mas o asceta despreza a natureza, o místico desdenha das exterioridades, o cristão olha a pátria humana como um lugar de exílio, o monge transcende da terra. Desviei do teu amor o meu coração, Alexandria. Odeio-te! Odeio-te pela tua riqueza, pela tua ciência, pela tua doçura e pela tua beleza. Sê maldito, templo de demónios! Leito impudico de gentios, púlpito empestado de arianos, sê maldito! E tu, alado filho do céu, guia do santo eremita António, nosso pai, quando, vindo do deserto, penetrou nesta cidadela de idolatria dos mártires, belo anjo do Senhor, criança invisível, sopro inicial de Deus, voa diante de mim, e embalsama com a palpitação das tuas asas o corrompido ar que vou respirar entre os tenebrosos príncipes do século!»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 30
Sem comentários:
Enviar um comentário